Opinião
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4 de novembro de 2020
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17:58

Caso André Aranha e violência de gênero contra as mulheres no sistema de justiça criminal (por Domenique Goulart e Luana Pereira da Costa)

Por
Sul 21
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Caso André Aranha e violência de gênero contra as mulheres no sistema de justiça criminal (por Domenique Goulart e Luana Pereira da Costa)
Caso André Aranha e violência de gênero contra as mulheres no sistema de justiça criminal (por Domenique Goulart e Luana Pereira da Costa)
01/06/2016 - PORTO ALEGRE, RS - Ato contra a cultura do estupro. Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Domenique Goulart e Luana Pereira da Costa (*)

A revitimização sofrida por Mariana Ferrer em audiência confirma que, apesar das previsões legais adotadas nos últimos anos para garantir a dignidade das mulheres, estas medidas não trouxeram uma mudança real na forma de tratamento conferida pelo Sistema de Justiça Criminal. A leniência do Estado e a inexigência de que os operadores de direito integrem uma perspectiva de equidade de gênero em sua prática jurídica promove campo fértil para a reprodução de lógicas discriminatórias sobre as quais o direito penal foi edificado.

Nesse sentido, compartilhamos da percepção da criminóloga Vera Pereira de Andrade,  estudiosa do tema desde a década de 80, de que o Sistema de Justiça Criminal se apresenta como uma continuação do controle exercido sobre as mulheres,  em articulação com os demais sistemas e instituições, formais e informais, que sujeitam e cerceiam a autonomia das mulheres.

Em muitos dos casos, verifica-se a existência de um processo de avaliação do histórico de vida da vítima por meio de uma análise subjetiva. E, como ocorreu no caso de Mariana Ferrer, uma análise em que julga comportamento das vítimas, em que a mulher é considerada como provocadora da situação, pelo fato de seu comportamento ser considerado “promíscuo” ou “inadequado”.

A “estratégia” de desabonar a honra feminina utilizando-se de julgamentos moralistas sobre a vida sexual das mulheres é antiga. O que se observou nas imagens divulgadas da audiência foi a tentativa de colocar em dúvida a palavra da vítima, com o objetivo de  construir uma imagem de mulher que não merece a guarida do Judiciário, porque supostamente não adere ao que a sociedade impõe como comportamento feminino.

Estratégias de desqualificação da honra de mulheres a partir de sua sexualidade e de descrédito de suas narrativas a partir de um suposto desequilíbrio emocional fazem parte do que, nas ciências jurídicas e sociais, se entende por Cultura do Estupro.

O medo de uma revitimização semelhante à sofrida por Mariana Ferrer é um dos motivos pelos quais os crimes contra a liberdade sexual sejam extremamente subnotificados. Posturas misóginas dos operadores do sistema de justiça apenas criam mais obstáculos às denúncias. Nesse sentido, é urgente a capacitação permanente de integrantes das Polícias, do Ministério Público, do Judiciário e da Defensoria Pública quanto às questões de gênero e raça, conforme previsto pela Lei Maria da Penha, de forma a construir uma cultura jurídica e uma atuação institucional que não se apresentem como uma nova violência às mulheres.

(*) Domenique Goulart é advogada, mestranda em Ciências Criminais pela PUCRS e sócia da Themis. Luana Pereira da Costa é advogada, mestra em Sociologia e integrante do Conselho diretor da Themis.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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