Opinião
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29 de outubro de 2022
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12:59

O Brasil emparedado (por Flavio Aguiar)

Foto: Joana Berwanger/Su21
Foto: Joana Berwanger/Su21

Flavio Aguiar (*)

Não dá para dizer que o Brasil está isolado no mundo. Não dá para isolar algo do tamanho do Brasil. Mais adequado é dizer que ele está emparedado. Está cercado por uma cortina de descrédito crescente na cena geopolítica. A diplomacia brasileira, que já gozou da fama de ser das mais profissionais do mundo, que já teve um de seus chanceleres – Celso Amorim – considerado como o melhor na cena internacional de então, hoje está desmoralizada. De momento, os negócios não deixam de acontecer, em alguns setores. O Brasil continua a exportar matéria prima e a importar fertilizantes, remédios, cosméticos, tecnologias e agrotóxicos. Aquilo que os produtores europeus deste último setor não conseguem vender na Europa, vendem para o Brasil. É verdade que no caso do atual usurpador do Palácio do Planalto conseguir nele permanecer, haverá dificuldades pela frente. A União Europeia vem prometendo endurecer sua política em relação a desrespeitos ao meio-ambiente. Seu próximo passo pode ser o da proibição de importar produtos oriundos de zonas desmatadas, mesmo daquelas legalmente desflorestadas.

Acontece que ninguém mais, nem mesmo seus aliados de extrema-direita na Italia, Hungria, Polônia e outros, como Trump e Netanyahu, acredita no que dizem o governo brasileiro e sua diplomacia boa apenas para fritar hambúrguer na cozinha norte-americana. Se algum documentário pudesse ser produzido a respeito, deveria se chamar “É tudo mentira”. Não se trata apenas de que o usurpador comete gafes em cima de gafes na cena internacional, desde pisar no pé da Angela Merkel até ter um comportamento vergonhoso nos funerais da rainha da Inglaterra. Trata-se de que o governo e sua política externa profissionalizaram a mentira, parecendo comportar-se como se ninguém notasse a falcatrua. Mentem sobre o meio-ambiente e sobre o estado da economia, sobre a promoção dos direitos humanos em nosso país. Além de que cresce seu odor de ligações com o crime organizado, ou mesmo o desorganizado.

O Brasil, que já foi liderança em matéria de política ambiental, hoje se alinha com o que há de pior nesta matéria. O Brasil, que já foi fiel da balança quanto a América Latina, hoje vive às turras com seus vizinhos. O Brasil, que já liderou o terceiro mundo no G-20, hoje só lidera propostas retrógradas no Conselho Internacional dos Direitos Humanos da ONU. É verdade que, como o usurpador depende do agronegócio e este depende dos fertilizantes russos, ele e sua política externa tiveram que modular sua subserviência aos Estados Unidos. Não apoiaram as sanções econômicas contra Moscou e fizeram alguns afagos de salão para Vladimir Putin. Mas se pensam que isto “promoveu” o “seu” Brasil, estão muito enganados. Não os aproximou, é óbvio, dos Estados Unidos e seus aliados quanto à deplorável guerra na Ucrânia. Muito menos implica alguma benesse especial por parte de Moscou. O Brasil teria uma grande chance de exercer um papel mediados dentro da nova Guerra Fria, Morna ou Quente que se desenha entre os Estados Unidos e seus próximos e a China. Teria, mas não tem, de momento, pois falta qualquer sinal de respeito quanto a seu (des)governo.

Entrementes, é verdade que reina grande expectativa no mundo inteiro sobre o que vai acontecer no domingo, dia 30, quanto à eleição presidencial. Governos e mídias no plano internacional vêm debuxando a possibilidade, talvez a probabilidade de uma vitória de Lula. Cresce o sentido de sua aceitação. Deve-se dar um desconto prévio: as esquerdas latino-americanos não desfrutam de qualquer popularidade na mídia mainstream mundial, que continua, com alguns retoques aqui e ali, aferrada às políticas de austeridade fiscal e a princípios neoliberais em matéria de economia. Tudo aquilo que destoa deste brete é logo rotulado como “populismo”, seja à direita ou à esquerda. Mas acontece que neste momento Lula aparece como um fator de credibilidade na cena internacional. Se ele disser “A”, pode-se acreditar que ele estará pensando em “A”; já quanto ao usurpador, se ele disser “A” pode-se ter a certeza de que estará pensando em qualquer coisa, menos em “A”. A possibilidade de sua reeleição assume a dimensão de uma catástrofe mundial. De quebra, há o fato de que quase ninguém, nem mesmo os mais empedernidos republicanos dos Estados Unidos, aceitarão a alternativa de um golpe de estado no Brasil. Ninguém acredita nas mentiras que o usurpador tenta espalhar sobre a falibilidade do sistema eleitoral brasileiro, sabidamente um dos mais confiáveis no mundo. E há uma estupefação crescente com a violência política promovida por ele e seus apaniguados, sobretudo depois das granadas e tiros de fuzil disparados contra policiais por seu amigo, o mentor do padre de araque e de aluguel, que a primeira usurpadora declarou, para perplexidade geral, ser “o mais amado” do Brasil.

A roleta está girando. Vamos ver se vai dar o 13 arco-íris ou o trevoso 22.

(*) Flávio Aguiar é jornalista, escritor e professor aposentado de literatura brasileira na USP.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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