Eleições 2022
|
29 de outubro de 2022
|
09:30

Bolsonaro está deixando bombas-relógio para ele mesmo ou para Lula, alertam economistas

Por
Luís Gomes
luisgomes@sul21.com.br
Economistas alertam para perda de poder de compra da população | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Economistas alertam para perda de poder de compra da população | Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

O Brasil vai às urnas neste domingo (30) decidir, entre outras coisas, qual será o rumo que a economia do País deve adotar nos próximos anos. Contudo, economistas ouvidos pela reportagem do Sul21 apontam que há uma série de problemas de curto prazo que estão sendo deixados pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e que precisarão ser resolvidos no início do próximo ano, seja por ele próprio ou por Lula (PT).

Marco Antônio Rocha, professor do Instituto de Economia da Unicamp e pesquisador do Centro de Conjuntura e Política Econômica, avalia que uma “bomba-relógio” são buracos na lei orçamentária de 2023. Isto é, questões que não estão contempladas no orçamento do próximo ano e que precisarão ser resolvidas, como a manutenção do Auxílio Emergencial de R$ 600. “Isso também está relacionado com concessão de crédito consignado e o que vai acontecer, tanto com essas dívidas, quanto com a renda dessas famílias caso o auxílio volte para R$ 400”, diz.

Além disso, ele aponta que o orçamento de 2023 é insuficiente para custear diversas políticas públicas importantes para reativar a economia brasileira e também a nível social. Rocha avalia que a necessidade de negociar esses problemas de curto prazo irá requerer uma capacidade de negociação pesada já no início do próximo governo para ampliação de recursos destinados a resolvê-los.

“Por exemplo, as universidade públicas estão à beira da paralisação, órgãos de fiscalização ambiental estão até sem combustível para fazer trabalho de campo. Tudo isso vai ter que ser contemplado. Vão ter que ser reorganizadas as secretarias e ministérios, o que leva tempo, o que causa transtorno e, principalmente no caso orçamentário, requer um grau de negociação muito grande com o Congresso. Isso já é uma bomba que está armada para o próximo governo logo na saída”, diz. “Isso significa que o próximo governo ou vai ter que propor uma série de medidas provisórias para contemplar isso, ou vai ter que partir, como fez o atual governo, para a aprovação de uma PEC que garanta um novo estado de calamidade”, complementa.

No caso de vitória de Lula, Rocha destaca ainda que também há questões relativas a uma nova reorganização ministerial que precisarão ser resolvidas, uma vez que está prevista a recriação do Ministério da Indústria e do Comércio e do Ministério do Planejamento, o que ele considera bom. “É ruim para o País essa concentração de poder econômico na mão de um ministro só.”

 

Professor Marco Antonio Rocha, da Unicamp | Foto: IE Unicamp

Fernando Maccari Lara, professor de Economia da Unisinos, afirma que o Brasil vive um momento de recuperação da atividade econômica que ainda é desigual entre os setores. “Se tu olhar os dados de serviços, por exemplo, vem se recuperando com bastante força, mas eles vivem ainda uma trajetória de normalização. Ao passo que, na indústria, tu teve uma recuperação muito mais rápida e daí agora, nos últimos trimestres, tem um certo arrefecimento, uma certa desaceleração”, diz.

Uma das principais preocupações do professor Fernando Lara é quanto à situação do mercado de trabalho. “Embora a taxa de desemprego tenha diminuído sensivelmente, se você vai ver as condições gerais do mercado de trabalho, tem uma mudança bastante grande, mais de longo prazo eu diria, com um aumento muito grande do trabalho por conta própria e da ocupação sem carteira. Se comparar com 5, 6 anos atrás, essa proporção mudou muito. A economia tem que voltar a crescer mais rápido para tu conseguir reverter esse processo, voltar a criar ocupações com carteira assinada, ocupações formais”, diz.

Outra preocupação dele é com o comprometimento do poder de compra da população, que poderia, inclusive, ser agravado caso o atual governo avance com o plano de desindexar o reajuste do salário mínimo e das aposentadorias da inflação, o que foi revelado pela Folha de São Paulo na semana passada.

A respeito da inflação, o professor Lara destaca que o Brasil enfrentou um processo de crescimento inflacionário, com os índices chegando à casa de dois dígitos para o período de doze meses, que foi revertido em parte no período pré-eleitoral, com a deflação impulsionada pela queda no preço dos combustíveis.

“Tem dois motivos pelos quais os combustíveis diminuíram, tem a questão da edição das alíquotas de ICMS, que é um elemento importante, mas tem também uma queda do preço do petróleo. Houve uma queda do preço do petróleo no cenário internacional e isso foi repassado então para os preços domésticos, não foi só a questão dos impostos, também a Petrobras reduziu”.

Lara destaca que a redução das alíquotas estaduais do ICMS sobre combustíveis, medida imposta pelo governo federal em caráter emergencial até o final do ano, deverá passar por uma decisão política. Por outro lado, as variáveis do preço internacional do petróleo e da taxa de câmbio são de difícil previsão. “Se houver uma nova alta do preço do petróleo ou uma desvalorização da taxa de câmbio, esses preços podem voltar a subir, a não ser que haja uma mudança da própria política da Petrobras de repassar os movimentos internacionais para os preços domésticos”, diz.

 

Professor Fernando Maccari Lara, da Unisinos | Foto: João Vitor Santos/IHU

O professor Rocha acredita que, caso Bolsonaro consiga se reeleger, ele deverá tentar manter a redução de ICMS dos combustíveis. No entanto, avalia que os estados deverão judicializar a questão, pois ela seria “muito danosa” para sua estrutura fiscal. Já no caso de vitória de Lula, ele acredita que a medida será revertida e o governo deverá enfrentar a questão do preço dos combustíveis com uma mudança na política de preços da Petrobras, interrompendo a lógica de paridade com o mercado internacional.

“Você ficou numa situação que, para contemplar acionista da Petrobras, você acaba criando um problema fiscal para os estados, num momento em que os estados também precisam fazer suas políticas públicas e dependem do ICMS para políticas de geração de emprego, assistência, investimento em infraestrutura, que é uma coisa que a gente precisa para reativar a competitividade da economia nacional. Então, essa saída via ICMS, eu acho que, numa manutenção do atual do governo, pode-se até tentar renovar, mas acho que vai cair numa judicialização”, diz.

A Lei Complementar federal 194, de junho de 2022, determinou uma redução de alíquotas de itens como combustíveis, energia e comunicação de 25% para 17%. De acordo com a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul (Sefaz-RS), a medida implicou uma perda de receita de R$ 2,5 bilhões brutos no segundo semestre de 2022, dos quais 25% referem-se às participações municipais.

A projeção da Sefaz é que, para 2023, a perda de receita prevista seja da ordem de R$ 4,4 bilhões brutos em função da redução do ICMS, o que faz com que o superávit orçamentário projetado para o ano que vem em R$ 37 milhões vire um déficit de R$ 3,79 bilhões.

Contudo, a lei prevê uma compensação para estados a ser calculada com base nas perdas que ocorram no segundo semestre de 2022. No caso do RS, de acordo com a Sefaz, a compensação reverteria em abatimento de todas as parcelas da dívida com a União a serem pagas em 2023, cerca de R$ 2 bilhões.

Rocha destaca que a discussão sobre a política de preço dos combustíveis é outra das “bombas-relógio” deixadas por Bolsonaro. “Inclusive, o preço atual da Petrobras já está muito defasado em relação ao PPI, em cerca de 17%. Então, já tá meio que agendado provavelmente um grande aumento da gasolina para depois da eleição”, diz.

Ele avalia que outro risco de curto prazo é o governo Bolsonaro, mesmo derrotado, forçar a implementação da sua agenda até o final do ano, com a desindexação do salário mínimo e da aposentadoria da inflação, o fim do abono e do BPC, o que deixaria mais uma bomba relógio.

“É só pegar as últimas falas do Paulo Guedes que a gente vê claramente uma agenda ultra impopular, mas que pode ser tentada num governo que não vai ter responsabilidade com a sua continuidade, o que é muito ruim, primeiro em termos republicanos, a implementação de uma agenda derrotada, e que vai obrigar o próximo governo a negociar a revogação dela num Congresso muito avesso, talvez, ao próximo governo. Medidas que têm uma efeito muito significativo à população. Se a gente pegar a inflação desde 2020, temos crescimento de quase 20%. Mas, se a gente pegar a inflação de alimentos, que atinge sobretudo as classes mais baixas, é maior”, diz.

O professor Lara avalia que, na prática, o teto de gastos não existe mais e que precisará ser substituído por uma nova regra fiscal. “Ele já foi furado várias vezes, porque ele é uma regra fiscal ruim, é uma regra fiscal de muito difícil implementação. Isso foi dito na época, houve uma oposição muito grande quando foi estabelecido o teto. Só que a discussão foi um tanto atropelada quando foi estabelecido o teto. De lá pra cá, a gente viu diversas formas de desconsiderar o teto, em função da pandemia, em função disso e daquilo. Então, é muito provável que a gente tenha uma nova regra fiscal, um novo tipo de regramento fiscal, porque o teto, de fato, já é uma espécie de consenso que ele mesmo nem existe mais”, diz.

Contudo, ele avalia que essa nova regra fiscal deveria levar em conta, mais do que os indicadores de gastos e despesas, a economia real e o impacto no dia a dia das famílias brasileiras.

“Qual vai ser ação do governo para melhorar as condições do mercado de trabalho? Quais serão as ações do ponto de vista da política econômica para retomar um crescimento econômico? Na questão fiscal, evidente que não pode sair fazendo qualquer coisa sem ter a dimensão de que precisa haver alguma estabilidade no endividamento público, mas a questão é que se desconsidera, normalmente, também é que a arrecadação tributária é pró cíclica. Se a economia cresce, a arrecadação de impostos também. O que a gente viu nesses últimos anos foi justamente uma concepção extremamente limitada de que o déficit do governo é resolvido por corte de gastos. E, na verdade, isso se revelou uma coisa bastante falsa, porque uma economia que não está crescendo, que não tem uma dinâmica razoável de crescimento, se o governo executa cortes de gastos, ele acaba reforçando essa lógica de contração da economia e acaba que a tributação, a arrecadação de impostos, também vai mal. Então, na verdade, você não resolve o problema e você cria outro”, diz.

Além disso, ele destaca que o próprio governo Bolsonaro acabou “se dando conta” dos efeitos negativos de uma política fiscal voltada apenas para o corte de gastos. “O que é curioso é que, nos últimos tempos, esse o governo atual de certa maneira percebeu como esse tipo de lógica estava prejudicando a sua própria popularidade e acabou recorrendo a práticas que, há dois ou três anos, ele mesmo não concordaria. A gente viu essa discussão na época da instituição dos auxílios, o governo relutou muito. Inicialmente, ele dizia que não era possível conceder os auxílios emergenciais, que era muito dinheiro, que não tinha dinheiro, etc. E hoje é curioso que a gente está vendo uma certa competição para ver quem paga mais auxílio, quem aumenta mais, quem quem deu mais auxílios”, diz.

O professor Marco Rocha destaca que a economia brasileira tem se caracterizado, nos últimos anos, por crescer abaixo da média mundial e abaixo da média dos demais países emergentes. Além disso, tem ficado para trás no cenário internacional em termos de regulamentação das cadeias produtivas e de modernização de sua indústria nacional.

“A gente tem que lembrar que o Brasil é um país em que a produtividade do trabalho está quase que estagnada há mais de uma década. Então, essa mudança na conjuntura internacional vai pegar a estrutura produtiva brasileira em um de seus piores momentos, um país que já cresce pouco e vem perdendo competitividade internacional”, diz.

Para recolocar o Brasil em uma rota de crescimento minimamente sustentável, Rocha avalia que o próximo governo precisará apresentar um plano de reestruturação para a economia brasileira em torno de sua inserção internacional. “Provavelmente contemplando um programa de reindustrialização, de modernização da indústria brasileira, para você conseguir minimamente criar uma rota, uma trajetória de desenvolvimento e crescimento econômico, que o Brasil não tem nenhuma”, diz.

Ele pondera, contudo, que política industrial não é uma corrida de 100 metros, mas sim uma maratona, cujos efeitos são sentidos no médio e longo prazo. “Mas você precisa começar a fazer, a gente está muito atrasado”.

Rocha destaca que a Argentina, por exemplo, lançou uma nova política industrial em 2021 após dois anos de discussões com diversos setores daquele país. “É um programa muito baseado em práticas que estão surgindo depois da covid, mas que são bem interessantes. Por exemplo, a organização por missões tecnológicas, sócio ambientais, uma certa preocupação em tecnologia voltada a melhoria direto da qualidade de vida da população, como tecnologia incorporada à mobilidade urbana ou no complexo de saúde”, diz.

O professor diz que uma primeira fase do plano de reindustrialização não envolve recursos, pois passa por uma organização política e pela realização de debates, mas que um segundo momento exigirá investimentos. Contudo, destaca que, para isso, precisa romper com a lógica fiscal atual de redução da capacidade de intervenção do Estado na economia, o que é uma visão curto prazista e que prejudica o médio e longo prazo.

“O governo primeiro tem que achar espaço fiscal no curto prazo, mas, para além disso, tem que renegociar um arcabouço fiscal, primeiro porque o teto dos gastos já tá cheio de buraco e acho que existe um consenso de que ele é inviável. Então o governo tem que renegociar isso e encontrar um outro arcabouço os fiscal negociado também no Congresso, que contemple aumentar a capacidade de intervenção do estado na economia, porque essa é a tendência mundial, e que contemple também os mecanismos de planejamento de longo prazo. Mas, em termos da origem do recurso, o governo federal tem uma capacidade imensa, tem uma flexibilidade imensa de encontrar espaço do aumento do endividamento público, desde que seja direcionado para reativação e para o crescimento econômico”, diz.

O professor Lara acredita que, independente de quem vencer as eleições do domingo, não deverá haver uma mudança drástica nos rumos da economia a curto prazo. Para ele, em caso de vitória de Lula, as alianças que o ex-presidente costurou em sua campanha deverão tensionar para que a política econômica não seja alterada bruscamente.

“E se tu for ver os governos anteriores do PT, o primeiro ano de todos os governos do PT tem sido um ano nessa linha, de uma certa composição, de uma certa tentativa de mostrar que não haverá aventura. A gente teve isso em 2003, em 2011 e no início de 2015, nem sempre com bons resultados, mas não será surpresa se mesmo que o atual presidente não se reeleja a gente não tenha exatamente uma grande ruptura. Vai ter algum novo tipo de regra fiscal, acho que o teto não se sustenta, em função dessa necessidade de compor com amplos setores”, diz.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora