Opinião
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28 de outubro de 2022
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19:11

A reinvenção da democracia (por Luiz Marques)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Luiz Marques (*)

O importante jornal New York Times declarou que a eleição de 30 de outubro “vai definir o futuro do planeta”, por isso, apoia o voto em Lula. A prestigiosa revista científica Nature, em editorial, afirmou que reeleger Bolsonaro implicaria uma grave ameaça “à ciência, à democracia e ao meio ambiente”, portanto, “só há uma escolha para o Brasil e o mundo”. Na mesma toada, o primeiro-ministro de Portugal fez questão de se pronunciar publicamente em favor do operário que, com uma trajetória improvável e ascensional, se tornou o melhor presidente na história da nação brasileira. Já o representante do governo da Espanha resumiu a torcida internacional: “o mundo precisa de Lula”.

Bertolt Brecht foi profético quando dedicou um poema Aos que virão a nascer: “Que tempos são estes, em que / Uma conversa sobre árvores é quase um crime, / Porque inclui um silêncio sobre tantos malefícios!” Tais versos, hoje, soam como alerta urgente contra a destruição da Amazônia, dado o garimpo em terras indígenas e o contínuo desmatamento da floresta “para passar a boiada”.

O tema da ecologia sensibiliza porque remete à sobrevivência do homo sapiens, em risco, por obra do aquecimento global autorizado pelo homo demens, na ânsia do lucro. A Terra, que obscurantistas creem plana, se aproxima das condições existentes há 125 mil anos, quando o nível do mar era 7,6 metros mais alto. É para onde se encaminha a humanidade, com o derretimento das geleiras e o aumento do volume das marés. O negacionismo ecológico inala ignorância. A noção do século 19 de um “progresso ilimitado” é um vírus letal, precisa ser combatido em escala local e planetária. 

A sociedade humana exige um freio ao desenvolvimento econômico que sacrifica o meio ambiente. No caso, com a cumplicidade criminosa das autoridades oficiais do desgoverno bolsonarista que, ao contrário de zelar pela preservação da natureza, não hesita em atropelar a legislação em vigor. Na Alemanha e na Holanda, já circula nas universidades e nos movimentos sócio-ambientalistas o conceito de “decrescimento”, para indicar que os projetos empresariais passíveis de provocarem impacto ambiental devem passar pelo crivo de uma discussão pública, daqui em diante. No Brasil, a administração central está na contramão do que indicam as leis e a consciência crítica mundial. 

Os órgãos de fiscalização sofreram um completo desmonte desde o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Até o fim de 2022 mais de três mil multas ambientais podem prescrever, deixando o Estado nacional de arrecadar cerca de R$ 300 milhões, segundo estimativa interna do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). A partir do golpe de 2016 cessaram as cobranças pelas infrações. Abriu-se a tampa do esgoto para a barbárie. A própria ordem para destruir o maquinário apreendido no território amazônico, fruto de atividades ilegais, foi revogada por Bolsonaro. Para o atual presidente, as práticas de desmatamento desbravam a selva na região; a defesa da biodiversidade é conversa fiada das Organizações Não-Governamentais (ONGs), a exemplo do Greenpeace; e as várias etnias dos povos originários são sinônimos de canibalismo.

O fascismo ambiental anda junto com o fascismo social, que jogou o Brasil no mapa da fome da ONU, e o fascismo político, que ataca as instituições republicanas com o objetivo de substituí- las por um regime iliberal, autoritário. Nos hemisférios Norte e Sul, a estratégia da extrema direita consiste em usar as prerrogativas da representação, conquistada nas urnas, para aprofundar a crise do sistema democrático. Assim morrem as democracias. Evitar a reeleição de figuras deletérias qual Donald Trump (EUA), Viktor Orbán (Hungria) ou Jair Bolsonaro significa estancar hemorragia que vitimiza a perspectiva de sociedades mais igualitárias. Chega de palhaços sociopatas, no poder.

Todos os olhares miram o país, domingo. A vitória de Lula mantém a esperança na reinvenção da democracia, para cumprir as promessas da modernidade: a liberdade, a igualdade, a solidariedade. Há que combinar a liberdade individual e a autodeterminação coletiva; a igualdade de gênero (antipatriarcal) e a racial (anticolonialista); a solidariedade na dimensão pessoal e na institucional. Trabalho para um verdadeiro estadista. Então como na poética Anunciação, de Cecília Meireles: “A memória de tudo desmanchará suas dunas desertas / e em navios novos homens eternos navegarão”.

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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