Opinião
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4 de outubro de 2022
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19:39

Qual é a ‘fórmula mágica’ das votações milionárias? (por Milton Pomar)

Foto: Luiza Castro/Sul21
Foto: Luiza Castro/Sul21

Milton Pomar (*)

Estava fora do terreno do racional – até agora – alguém com 21 anos de idade, na metade do seu primeiro mandato de vereador na capital, obter 14,49% dos votos válidos para deputado federal – caso de Amom Mandel, empresário, estudante de Direito e inacreditáveis 288.555 votos no Amazonas pelo Cidadania. Idem com 26 anos, também na metade do seu primeiro mandato de vereador na capital, obter 13,34% dos votos para deputado federal – caso de Nikolas Ferreira, empresário, bacharel em Direito e mais inacreditáveis ainda 1.492.047 votos em Minas Gerais pelo Partido Liberal. 

Realmente, é fascinante o desempenho eleitoral, em 2020 e 2022, desses dois jovens tão jovens. É bem possível que tenham gastado uma ninharia por voto, já que aparentemente os dois se valeram das redes sociais e da estratégia de causar sucessivos fatos políticos e trabalhar a repercussão deles nos públicos simpáticos às suas ideias e atuações como forma principal para se tornarem conhecidos e “angariar fãs” (e votos). Nikolas Ferreira apresenta-se como cristão, conservador (coordena o Movimento Direita Minas), defensor da família, da liberdade econômica e a favor do empreendedorismo. Já Amom Mandel define-se ativista social e a favor das questões ambientais. Ambos estão no segundo partido político.

Tantas semelhanças entre eles levam a pensar se não há mais que coincidências nos meios e métodos, porque há outros casos parecidos – por exemplo, a deputada federal Tabata Amaral (PDT, agora PSB), 28 anos, reeleita com 337.873 votos; e o deputado federal Kim Kataguiri (Democratas, agora União Brasil), 26 anos, reeleito com 295.460 votos. O mundo quer saber qual é a fórmula mágica capaz de proporcionar tantas centenas de milhares de votos a pessoas tão jovens com campanhas eleitorais de tão baixo custo. 

Como não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe, para a deputada federal Joice Hasselmann, campeã feminina de votos (1.078.666) no País em 2018, seu milionário desempenho virou fumaça em 2022: recebeu 13 mil votos. Um milhão de votos a menos também para Eduardo Bolsonaro em 2022, o recordista de 2018 (1,84 milhão, 8,34% do total), reeleito deputado federal por São Paulo com 741 mil votos (3,12%). Com a mesma facilidade com que conseguiram tanto, também perderam. Que o diga Janaína Paschoal, a recordista de todos os tempos, com 2,060 milhões de votos para deputada estadual por São Paulo em 2018, e minguados 447 mil para o Senado esse ano.

Ao que tudo indica, as poções mágicas de 2018 desses três foram passadas para Ricardo Salles, 641 mil votos (36 mil em 2018…); Carla Zambelli, de 76 mil para 946 mil; e o tenente-coronel Marcos Pontes (aquele que aposentou-se aos 43 anos, no retorno da missão espacial que o fez famoso), agora agraciado com 10,7 milhões de votos para o Senado, quase a votação recorde de Serra em 2014 (11,1 milhões). Quanto custaram essas três campanhas tão bem-sucedidas?

Infelizmente, no Brasil os órgãos judiciais e a maior parte da mídia não se interessam por essas questões. Apegam-se aos aspectos formais das prestações de contas e seguem fingindo de conta que a compra de votos é residual, assim como o financiamento empresarial de campanhas. 

Grandes votações obtidas por candidatos e candidatas com dezenas de anos de atuação política, vários mandatos, e muita campanha “tradicional”, estão dentro do possível e imaginável. Como é normal também ocorrerem sustos, como os 1,57 milhão de votos, obtidos em 2002, pelo candidato nacionalmente conhecido com o bordão “meu nome é Enéas!”. Mas não dá mais para continuar assistindo passivamente o surgimento “do nada” de dezenas de eleitos(as) com 5% ou mais dos votos válidos, dos quais não se observou campanha física. 

Precisamos estudar logo as campanhas high-tech milionárias, elas impactam o processo eleitoral de maneira muito negativa, e mais ainda toda a política, na medida em que acontecem a partir de intensa propaganda ideológica anterior às campanhas. E sabe-se já que a propaganda da extrema-direita faz uso de mentiras, meias-verdades, um amontoado de bobagens, manipulando “corações e mentes” com precisão científica e em grande escala. 

(*) Geógrafo, mestre em Políticas Públicas.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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