Opinião
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27 de setembro de 2022
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14:23

O voto em 2 de outubro, a Economia e o elogio da loucura (por Marcelo Milan)

Foto: Antonio Augusto (Ascom/TSE)
Foto: Antonio Augusto (Ascom/TSE)

Marcelo Milan (*)

Um economista espanhol a favor do trabalho, Diego Guerrero, distingue entre a Economia com E (pensamento) e a economia com e (realidade fora do pensamento). A primeira é o foco deste artigo. Os economistas do capital (a favor dos ricos e poderosos) acreditam que a Economia é a ciência (sic) da escolha. E como dispositivo ideológico (perspectiva de classe), sempre adicionam um adjetivo para forçar sua própria visão. Assim, a escolha precisa ser qualificada: na economia burguesa vulgar, a escolha é racional. Isso deveria invocar o uso da razão. Porém, existem várias acepções, até para transformar o conceito em alvo móvel e dificultar a crítica, criando um cinturão protetivo. Para além da razão instrumental, assume-se capacidade da escolha dos melhores meios para alcançar algum fim. A escolha é feita avaliando custos e benefícios, que sempre podem ser calculados com precisão até a décima casa decimal. Existe também a racionalidade comportamental, associada ao autointeresse (egoísmo). E sem exaurir as possibilidades, no caso do consumidor tem a abordagem axiomática, em que a escolha obedece a alguns critérios, criados pelos próprios economistas vulgares, para evitar escolhas conflitantes e distanciar o comportamento dos consumidores do mundo real.

O imperialismo da Economia exportou esta abordagem para outras áreas do conhecimento, tornando-as igualmente irrelevantes. Hoje muita produção acadêmica na ciência (sic) política adota o conceito de racionalidade individual da economia burguesa vulgar. Até ‘mercado’ político foi inventado. E mesmo algumas correntes marxistas, como a analítica, adotam esta bobagem. No caso da Economia, os políticos fazem escolhas racionais voltadas para o próprio interesse (e da família), e logo racionalmente prejudicam a população por impedirem a soberania do consumidor (escolha racional) no mercado não político. A solução passa por acabar com a política. Como isto é impossível, é preciso despolitizar tudo. Inclusive a própria política, que, deontologicamente deveria ser feita a partir de critérios racionais, isto é, despolitizar a sociedade para deixar os ricos mais ricos, os únicos que podem fazer política (diretamente ou via representantes comprados, ops, financiados). Assume-se que a política é exercida apenas por meio do aparelho de Estado e não, por exemplo, nas próprias famílias (o patriarcado é exercício de poder político com fundamento nas relações de gênero), nas empresas (hierarquia de cargos e posições de comando), nas universidades (hierarquia de cargos e posições de comando, mas tem acadêmico que nem é reitor(a) e faz política 24 horas por dia), nas igrejas e templos (imposição de padrões morais por meio da fé alheia), etc. Onde há hierarquia e desigualdade, há exercício de poder e logo da política.

Mas há escolhas fundamentais, isto é, escolhas que podem mudar estruturalmente a sociedade. Em geral, porém, os homens fazem história, mas sob condições dadas. Há quem nutra a ilusão de que estas condições dadas possam ser mudadas rapidamente, pela escolha eleitoral em um jogo de cartas quase sempre marcadas, tornando o argumento menos frágil apenas com a oposição entre escolha eleitoral e ditadura. Adota-se a visão de que a política é sempre a política pelo Estado. Do ponto de vista estrutural, a política pode influir, em algumas poucas situações, de forma decisiva, mas nunca determinar. A determinação estrutural vem da economia com e, que já tem a política subsumida ou naturalizada. Abba Lerner, que recentemente ganhou notoriedade com o resgate de suas ideias sobre finanças funcionais na nova roupagem chamada de moderna teoria monetária, ilustra bem: “A Economia tornou-se a rainha das ciências sociais escolhendo como o seu domínio os problemas políticos já resolvidos”. De fato. Ninguém elege o modo de produção pelo voto. As condições são dadas. E isso mesmo quando se vota em um partido socialista ou comunista (a propósito: os defensores do capital nunca deixam essa defesa clara na nomenclatura de seus partidos – a mistificação passa por adjetivos como social, democrata, cristão etc.). Os próprios nazistas se autointitulavam nacional socialistas, quando de socialistas nada tinham, pelo contrário. Mas a legitimidade seria dizimada se fossem denominados pelo que eram de fato, defensores do capitalismo em bases nacionais. Partidos burgueses com ideias tão velhas quanto o laisser-faire fisiocrata do século XVIII se intitulam ‘novos’ (pausa para gargalhar). E com a velha desfaçatez liberal de querer mamar nas tetas do governo (montaram até uma alegoria, com pilhas de liberais querendo mamar nas tetas da vaca do governo, do sistema político ou do dinheiro público – é para isso que são candidato(a)s permanentes).

Sobre a economia com e, para avaliar racionalmente sua importância nas decisões eleitorais, seria preciso considerar os quase quatro anos anteriores e, portanto, mesmo antes da pandemia. E aqui se sabe que o desempenho, para a maioria da população, não foi bom. E isto não é só culpa da incompetência, pois a economia tem seus determinantes de longo prazo que não dependem da política. Mas vamos supor que a capacidade e a competência das lideranças políticas importam, seguindo a falsa consciência do(a)s iludido(a)s. Pode-se comparar a eleição para cargos executivos como uma seleção de recursos humanos (escolha…). A presidência do poder executivo federal é um cargo. E, portanto, requer atributos para ser exercido. E aqui se tem outra demonstração cabal dos limites da lei e do direito, restritos à forma e incapazes de produzir conteúdo efetivo ou substantivo. Os requisitos legais podem ser cumpridos, sem que haja qualquer condição mínima de exercício efetivo do cargo. Se a lei exigisse exame psicotécnico para cargos de direção política, a Bananilga seria menos Bananil e menos Pocilga. Se exigisse Q. I. mínimo, melhor ainda. Certamente, cavalgaduras existem em todos os lugares. Mas a profusão com que abundam no sistema político da Bananilga é algo avassalador. Porque a sociedade adoecida e subdesenvolvida cria endogenamente seu reflexo na política do Estado, na política das cortes, na política da mídia, na política das universidades etc. 

Assim, considere-se o Louro José, que vive do varejo. A sua atividade passa por comprar do atacado por um preço e vender por um preço mais alto. Esta atividade é bem antiga ou pré-capitalista. Circula os bens anteriormente produzidos. A rede do Louro José precisa contratar um executivo. Quais os critérios de contratação? A filiação política dos candidatos? Melhor um boi administrativamente incompetente, mas boi, do que um futuro funcionário qualificado, experiente, competente, mas com tendências progressistas ou mesmo capaz de independência crítica? Segundo a economia burguesa vulgar, racional é o segundo critério (ajuste entre meios e fins). Ou então, como justificar a escolha pela análise do currículo do boi? O sujeito foi expulso da sua ocupação anterior (para a qual não era preciso ter muita inteligência, diga-se) por ser lelé da cuca (ou, no jargão tucano, diria o Zé Simão, desprovido de faculdades mentais elementares). Decide então se candidatar a vendedor de uma empresa comercial. Passou 26 anos como vendedor com apenas duas vendas(!), sendo reconduzido ao cargo por acionistas minoritários. Passou o tempo todo dizendo barbaridades (para quem dois neurônios funcionando) e vitupérios, inclusive ameaçando metralhar o vendilhão que vendeu quase todo o patrimônio da rede de lojas no passado. Faz apologia de métodos de tortura para funcionários sindicalizados. Ameaça estuprar uma outra funcionária de vendas que trabalha de fato. Depois, se revolta contra o baixo ordenado e elabora planos para explodir as latrinas (ou a ridícula estátua da liberdade). Vendo que o gado consumidor é expressivo, lança também a prole desqualificada e sem talento no setor de vendas. Todos com o mesmo perfil, inclusive com vendas por fora e rachadinhas com os assessores de vendas. 

Seria este candidato selecionado para um cargo executivo de liderança, mesmo assim, pelos acionistas ou pelo Louro José? O pior é que foi, o que diz muito sobre a rede e seus acionistas. Mas talvez o Louro José e companhia não sejam parâmetros de escolha racional… E o que fez o fracasso vendedor como executivo? Vendeu aquilo que, antes, considerava razão para ser metralhado. Acabou com o departamento de livros, artes e música (que já era minúsculo naquela rede). Não autorizou a compra de insumos estratégicos no momento em que eram mais necessários, defendendo o charlatanismo de que escama de jacaré seria a única opção eficaz para melhorar a saúde dos funcionários, pois, em um surto psicótico, recebeu tal orientação de uma avestruz. Pressionou empresas terceirizadas de segurança a contratar seus amigos. Criou um estande de tiros dentro da loja. E um gigantesco departamento de armas e munições. A diretoria jurídica só assiste, pois segue recebendo seus poupudos ordenados. O executivo reduziu o preço dos produtos das filiais para enganar os clientes, depois de ter distribuído fartos dividendos para os acionistas com preços elevados. A rede não parece ter futuro, mas a administração e os fornecedores a rapelam, mantendo as condições que perpetuam o seu atraso organizativo e futura falência. Qual a razão para mantê-lo no cargo? Se a pura racionalidade burguesa vulgar existisse, nenhuma.

Um outro exemplo na área da educação. Como avaliar um aluno que nunca estuda, ameaça explodir as latrinas da instituição para conseguir notas, fala bobagem o tempo todo, xinga os colegas e professores durante a aula, rouba a merenda dos outros e ameaça estuprar as colegas de turma que considera ‘bonitas’ e que são mais inteligentes que ele (o que não é muito difícil, convenhamos)? Reprovação, é claro. Quem aprovasse este tipo de aluno seria um(a) péssimo(a) professor(a). E por analogia, quem elege o mesmo perfil para político é péssimo eleitor. O que não é surpreendente, pois é péssimo(a) cidadã(o). Ou seja, tem-se hoje na Bananilga um conjunto de sociopatas que desprezam o país e o acorrentaram, com ajuda da imprensa venal, comercial e corporativa (relações públicas da oligarquia), do poder judiciário (e sua famosa promiscuidade com os ricos e poderosos, com quem sempre afinam, diferente dos pobres, com quem sempre engrossam) etc., oferecendo feno em grandes volumes ao gado (e, claro, parte do plantel usa credencial ou toga) ao atraso, produzindo uma péssima loja, uma péssima instituição de ensino, um péssimo país. Se um sujeito seria desqualificado, despreparado e incapacitado para uma atividade que demanda bem menos responsabilidades que o principal cargo executivo da estrutura política que administra o capital e a sociedade, como a presidência, como explicar que seja eleito para este cargo? Porque quem é igualmente tosco, desqualificado, despreparado e incapacitado (inclusive com diploma de nível superior) não consegue identificar estes atributos em si próprio ou em outros. Não é possível assim qualquer análise econômica e política na Bananilga sem um grande elemento psicanalítico. A loucura se tornou a antessala da política na direita. Valei-me Foucault! 

Mestre Latuff acredita que esta saída do gado do curral é um exercício de exposição pública de burrice. Talvez. Mas certamente a ignorância, quando atinge um determinado patamar, passa a ignorar a si mesma. Ignoram que são ignorantes. E não surpreende que defendam cortes no financiamento público da ciência, da pesquisa e da tecnologia. Claro, há muita má-fé e ódio. O último reflete a própria condição animalesca, que redunda em limitações cognitivas irreparáveis. Por exemplo, é racional agredir, aqui em Porto Alegre, o (ainda) terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto para presidente, que considera difícil explicar suas ideias (supostamente muito sofisticadas…) para os moradores das favelas, e que é linha auxiliar do fascismo em sua exposição midiática incompatível com seu peso eleitoral, menor a cada pleito?

Ou seja, as escolhas em geral, e as escolhas políticas e econômicas em particular, são eivadas de realidade e não são puramente racionais, pelo menos na acepção burguesa vulgar. Aliás, os próprios economistas burgueses vulgares, com raras exceções, escolhem sempre o pior, mesmo havendo critérios ou parâmetros objetivos abundantes que defendem, porque, para manietar os interesses dos trabalhadores, não precisa de competência ou inteligência. Só obediência à lógica do capital. A ideologia que reputam ser fonte de irracionalidade nos seus modelos ridículos, é a descrição fiel do seu próprio comportamento no mundo real, que desconhecem por viverem em bolhas com reduzida oxigenação (os estudantes franceses chamam isso de autismo econômico). E a grande questão é acreditar que mesmo que o vendedor fosse bom, o professor fosse competente e os acionistas sérios, que se poderia construir uma megaloja ou uma instituição de ensino de primeira linha (excelência) apenas com estes processos seletivos ou avaliativos. E que trocar o vendedor ou o professor vai transformá-las neste sentido em vez de introduzir apenas mudanças cosméticas.

A irracionalidade na acepção burguesa vulgar impera porque a direita política não vive sem grandes ou pequenas mentiras, pela própria dinâmica do processo eleitoral. A produção de “fake news” (viva a colônia!) é antiga (se chamava mentira, manipulação ou distorção em Português) e indissociável da direita política, e existia antes dos serviços de mensagem instantânea. A defesa de privilégios por definição é uma defesa de minorias que não têm condições de se impor eleitoralmente. E então entram os elementos dos costumes, da religião e outros valores criadores de falsas e verdadeiras identidades, como cortinas de fumaça, mas cortinas densas, que se misturam ao cotidiano e não podem ser percebidos como tal. Mas impedem explicitar os elementos centrais que definem as condições de vida, sem a qual nem religião nem costumes importam. O materialismo impera, como deixou claro a pandemia. 

As eleições até permitem, em condições muito específicas, separar os bons candidatos dos maus, assim como profissionais sérios de RH e professore(a)s sério(a)s sabem selecionar candidatos e aluno(a)s. Mas as eleições, como espetáculo político condensado, são um espelho das idiossincrasias de uma lúmpen sociedade. O(a)s ma(u)s candidato(a)s em abundância não caem do céu (no máximo da goiabeira – mas ele(a)s subiram lá). E são um plantel expressivo. O esgoto de onde saem tantos outros também não é obra do acaso. É construção social e projeto de país disfuncional para a maioria. Não dá para ser muito otimista, portanto. Até porque, como já diria Paulo Francis, todo(a) otimista é mal informado(a). O máximo que se pode fazer é minimizar o dano. Portanto, nas próximas eleições presidenciais a única opção racional real e irracional no bom sentido escorraçado pela economia burguesa vulgar é escolher Lula para presidente. O resto é loucura servil ao aprofundamento rápido do atraso, para o benefício exclusivo da oligarquia. 

Na província de São Pedro, por outro lado, a situação é mais complicada e a decadência sociopolítica parece irreversível. No caso do executivo, a ‘escolha’ entre o neofascista adepto do caixa dois e o Juan Guaidó dos Pampas, com serviços prestados ao fascismo ao tentar retardar a vacinação contra a COVID, além de operar para boicotar as prévias do próprio partido, na sua obstinada tentativa de ser presidente, sendo que na realidade não consegue passar de Torres, sobra a terra arrasada como materialização dos efeitos políticos do agronegócio. Excluindo-os, não muda o vazio dado pelas determinações estruturais do agro. É muito Jeca Tatu. E ogros. A propósito, a matéria na revista Piauí é espetacular e definitiva ao mostrar que o agro não é pop, é tóxico. Ogronegócio. Para as eleições ao legislativo, temos as candidaturas da brava bancada negra de vereadores de Porto Alegre, uma clara possibilidade de luz e civilização em meio à barbárie instaurada.

Ou seja, na Terra Média a escolha racional e irracional entre um orc e um hobbit é muito difícil. Para os orcs. Suas hordas não conseguem raciocinar e são manufaturadas para obedecer, odiar e destruir. Igualmente, como explicar a diferença entre filosofia e astrologia para aqueles desprovidos de massa cinzenta? Na Terra Abaixo da Média, nos níveis atuais o plantel inviabiliza o desenvolvimento para o restante do país e impede que os lampejos de democracia se consolidem em uma ordem plenamente democrática. E como uma boa parte desta malta bovina é endinheirada, mostra-se a inviabilidade de desenvolver a Bananilga. Caetano desmontou essa possibilidade de escolha décadas atrás e nos permite a paráfrase; “Mas é isso que é a burguesia que quer desenvolver o país? São a mesma burguesia que vai sempre matar amanhã a democracia inimiga que morreu ontem. Vocês não estão entendendo nada, nada, nada, absolutamente nada.”

(*) Bacharel, Mestre e Doutor em Economia

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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