Opinião
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11 de setembro de 2022
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10:35

As eleições de 2022 e o ensino fundamental que queremos (por Rafael Saraiva Lapuente)

Foto: Eduardo Seidl/Palácio Piratini
Foto: Eduardo Seidl/Palácio Piratini

Rafael Saraiva Lapuente (*)

Tema pouco debatido em um contexto eleitoral é o que queremos na primeira fase da educação de crianças e jovens: o Ensino Fundamental. Com inúmeros ataques à educação, evidenciados especialmente por abordagens essencialmente neoliberais e voltadas à formação de mão-de-obra barata e pouco qualificada a partir do Novo Ensino Médio, a educação fundamental não está livre desse ataque, que ocorre de forma silenciosa até agora.

O primeiro ponto é a sanha, notoriamente exagerada, que cada vez mais se nota em formar estudantes, desde a mais jovem idade, à buscarem noções de empreendedorismo, reforçando nele essa lavagem cerebral ideológica disfarçada de oportunidade. Muito além de uma lógica empreendedora – que seria louvável -, nota-se a busca pela romantização de trabalhos cada vez mais precarizados. A crueldade disso é usar a escola, e todo seu capital que é visto e reconhecido como legítimo, para ratificar subempregos, ‘uberizados’, que são muitas vezes a única saída para milhões de famílias desempregadas, agravadas por uma política econômica que favoreceu o agronegócio e foi potencializada pela pandemia.

Dentro desta mesma lógica, pulveriza em diversas redes municipais a criação de disciplinas como, por exemplo, projeto de vida, cujo um dos objetivos é, desde os anos iniciais, pensar na sua atuação profissional. Isto é, delega-se aqui novamente uma visão com princípio tecnicista, que não questiona, indaga e contrapõe. Nisso, agrava-se ainda mais o fato de que os profissionais que ministram essa disciplina, na ampla maioria dos casos, não possui formação adequada e ocupa a grade curricular em desfavor de História, Geografia, Língua Portuguesa e outras disciplinas que possuem ferramentas de questionamento ao mundo social, e não de legitimação dele.

Outro fator, que vincula a educação a índices descontextualizados da realidade de cada escola e lugar e a uma prática mercadológica no Rio Grande do Sul, foi a aprovação, em 2021, que condiciona a partilha do ICMS ao desempenho dos municípios. Isto é, os municípios com melhor desempenho receberão mais verba: na prática, significa aprofundar desigualdades, bem como delegar a professores e escolas a responsabilidade quase exclusiva pelo bom ou mau desempenho dela.

E esse projeto de lei gerará um efeito cascata inevitável: pressão por altos índices de aprovação que disfarçam as defasagens educacionais, agravadas por dois anos consecutivos de pandemia. Prefeitos e gestores municipais, interessados em maior fatia do ICMS, pressionando diretores escolares para que as planilhas dos tecnocratas, que enxergam a escola como um número e somente isto, atinjam as metas que deem acesso à maiores fatias da arrecadação, transformando o processo educacional em uma ‘corrida maluca’ de prefeituras, cujos cofres já estão escassos na maioria dos casos e são socorridos há tempos pelo FUNDEB, que foi, talvez, o maior progresso educacional dos últimos anos e criado pelo governo Lula.

Cercado por este contexto que ocorre a ofensiva contra professores. Em muitas cidades, o dia de planejamento de aula já não ocorre em casa, mas sim na escola. E só quem é professor sabe o quanto é contraproducente o ambiente escolar para planejamento, em muitas realidades sem internet e sem uma sala para os professores efetivamente atenderem as demandas que chegam semanalmente. Além do mais, desconsidera a quantidade de vezes em que um professor acaba trabalhando depois do horário, de forma não-remunerada e que, muitas vezes, é compensada pela hora-atividade fora da escola.

Por fim, o que as eleições de 2022 devem também questionar é: até que ponto cobramos de professores e pais adaptações para o retorno presencial ainda na pandemia, dando conta das diversas demandas e novas circunstâncias que estão vindo neste contexto, e o quanto ganhamos efetivamente de condições para isso?

As salas de aula continuam com o mesmo número de alunos. O número de profissionais que entram em aula ainda são os mesmos. O tamanho da gestão educacional, idem – isso sem considerar que a falta de professores é um problema crônico que parece não ter fim.

Todos concordam que a demanda aumentou. Inclusive os gestores federais, municipais e estaduais. E quais novas políticas são pensadas para isso, que considerem o aluno como um sujeito de múltiplas potencialidades, inteligências e desenvolvimentos? Que o prepare para além do mercado de trabalho? Que façam a escola, especialmente a pública, cumprir o seu papel: o de ser um lugar de sonhos, trajetórias e possibilidades. Que o faça questionar o mundo, e não simplesmente adaptar-se a ele, como um produto na prateleira que atende seu mercado consumidor.

Ou seja, uma escola que não cabe no mercado de trabalho.

Nem no ICMS.

(*) Doutor em História pela PUCRS, autor de livros e coletâneas na área e professor do ensino fundamental

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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