Opinião
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23 de agosto de 2022
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14:49

Nunca foi pandemia (por Cassio Machado)

Imagem: Pixabay
Imagem: Pixabay

Cassio Machado (*)

Estávamos errados o tempo todo, mas começamos a nos acostumar com essa posição durante a pandemia. Pandemia para cá, pandemia para lá, e até mesmo alguns a chamando de gripezinha ou fazendo força para transformá-la em epidemia por decreto. Se antes era comum escutarmos explanações sobre as diferenças entre os conceitos de surto, epidemia e pandemia, hoje, embora correndo o risco de associar pandemia como exclusivamente relacionada à Covid-19, todos compreendem que se trata de algo que se espalha e atinge todos os continentes. 

Falou-se também do perfil democrático do vírus, sobre o quanto ele não escolhia credo, raça  ou gênero, mas essa narrativa não suportou reflexões mais profundas relacionadas às iniquidades em saúde, considerando desde o acesso a saneamento básico e a equipamentos de proteção individual até a diferença de distribuição de vacinas entre os continentes.

Porém, um ponto importante não demorou a ser levantado – as outras condições de saúde agravadas pela Covid-19. Assim, o estandarte da saúde mental foi um entre os comuns, por vezes também utilizado como embuste. Contudo, pensar nesses agravos nos fazia lembrar acerca das diferenças abissais que existem entre muitos e alguns, focamos mesmo nas sequelas biológicas que acometiam os atravessadores sobreviventes do vírus. 

Foi então que um editor do  The Lancet chamado Richard publicou um comentário breve, mas profundo. De acordo com ele,  devido às vulnerabilidades que atingem a esmagadora maioria da população, os tratamentos e vacinas para o enfrentamento da Covid-19 teriam eficácia limitada. Para Richard, idade, etnia, remuneração e acesso à assistência social e saúde são fatores que contribuem para a letalidade da Covid-19. Nesse sentido, combater hipertensão e diabetes, assim como depressão e desigualdade também impactam na mortalidade relacionada à pandemia. Claro, o cobertor é curto e por algum tempo os pés sofreram as intempéries da noite, mas justamente por isso perdemos alguns milhares por Covid-19.

O ponto ressaltado por Richard é que não foi apenas um vírus que eclodiu, mas uma incontável gama de doenças e agravos que interagiram com ele e alavancaram a curva de mortes. Assim, por se tratar não apenas de uma doença, mas também de um sistema complexo de interações entre doenças, iniquidades, fatores econômicos, sociais e culturais, entre outras variáveis, a pandemia não seria o termo mais adequado para descrever o cenário pelo qual atravessamos, e sim Sindemia. Tal termo foi cunhado por Merril Singer, na década de 1990, para explicar que “duas ou mais doenças interagem de tal forma que causam danos maiores do que a mera soma dessas duas doenças”. Sin, de sinergia.

Explicado o conceito, compartilho que poucos foram os inclinados a reverem seu vocabulário, afinal, a pandemia já é quase da família. Perguntaram-me: Que diferença faz o nome?

(*) Psicólogo, atua no Grupo Hospitalar Conceição (GHC) (cassioandrademachado@gmail.com)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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