Opinião
|
9 de agosto de 2022
|
09:34

Notas sobre os debates eleitorais (por Luiz Marques)

Foto: Band TV/Reprodução
Foto: Band TV/Reprodução

Luiz Marques (*)

1. O modelo de aferição das propostas eleitorais, por meio dos debates nas emissoras de televisão, rádio e outras plataformas de mídia nunca foi neutro. Ao longo de todo o período da redemocratização, pós-ditadura militar, valorizaram a ideologia tecnocrática (soluções sem a participação popular, baseada nos “técnicos”) e o personalismo (a qualificação retórica das personalidades), buscando descolar as candidaturas de suas tradições políticas. Em vez de focar na historiografia dos partidos e nas vocações de classe ou casta, priorizam a fotografia dos candidatos que somente se tornaram candidatos da legenda por subscrever um determinado legado partidário, político e ideológico.

1.1. Cabe aos candidatos de esquerda ou centro-esquerda fazer a vinculação entre a pessoa e o partido, restabelecendo o cordão umbilical que liga um a outro nas eleições. O histórico de ambos é ignorado e jogado para debaixo do tapete midiático, assim como o postulado de que é o partido que cria a candidatura e não a candidatura que cria, inventa ou reinventa a história do partido. De modo que, antes até de responder as indagações e pegadinhas dos concorrentes, os progressistas devem publicizar o que a direita (neoliberal, neofascista) tem protagonizado na gestão dos municípios maiores, estados da Federação e na administração central da União. Para construir um voto consciente.

2. As perguntas nos debates sabatinam temas específicos, como se estivessem dissociadas da perspectiva de sociedade e de Estado (voltadas com prioridade para o livre mercado ou para as necessidades humanas). A auscultação meritocrática isola os respondentes de qualquer cosmovisão fundadora das proposições e intenções, uma vez eleitos. Exceto se possam contribuir para desqualificar, eleitoralmente, a postulação de adversários indicados por forças com extração nas classes populares. O filme é antigo.

2.1. Em rápidas palavras e chavões linguísticos, é preciso que os progressistas revelem os enrustidos que defendem serviços públicos na condição de mercadorias -compra quem pode – e não como direitos universais extensivos a todas e todos. É preciso escancarar os aliados dos governos que privilegiam as classes capitalistas. Denunciar a oculta filiação deletéria, desarma o circo armado no script dos painéis de confrontação e politiza as opções dos atores que discursam em evidente contradição com os últimos quadriênios, de Temer a Bolsonaro, lá; Sartori a Leite, em pagos gaúchos. Ignorar a comunidade escolar, anos a fio, não confere autoridade moral para falar com propriedade em educação.

3. A definição político-ideológica dos partidos, a que os candidatos estão filiados, ocorre sobretudo a partir da referência simbólica fixada pelo exercício real do poder no Executivo Federal. Circunstância que abarca as legendas significativas, das quais as demais atuaram ou atuam como submissos satélites na gravidade dos planetas.

3.1. Resgatar tais referências permite combater a demagogia dos postulantes que, embora situados no mesmo campo, por ambições puramente pessoais, se apresentam ao eleitorado em siglas diferentes. Para se diferenciar, apelam a tiradas com o único objetivo de confundir os eleitores. Por exemplo, ao problematizarem a desvalorização do patrimônio público local para privatizá-lo. Isso aconteceu em alguns estados no recente painel organizado pela Rede Bandeirantes, e deverá se repetir em novas ocasiões. Então, urge denunciar que muitos que posam de galos, agora, se comportaram como galinhas ocupando cargos de mando no governo inominável ou em cadeiras na Câmara e no Senado.

4. A prática é o critério da verdade para a cidadania ao avaliar o dia a dia de companheiros no local de trabalho, estudo ou lazer, jogadores do clube do coração ou mequetrefes que se intitulam nos palanques a solução para a “boa política”. O comportamento dos demagogos deve ser historicizado para dar o flagrante nos que, de repente, da boca para fora, apontam caminhos para debelar as desigualdades sociais, melhorar a qualidade de vida dos pobres e investir no crescimento econômico. O que os impostores desejam esconder, tem de ser trazido à luz do sol. A transparência desconstitui a hipocrisia.

4.1. É necessário apontar quem calou frente a incúria do desgoverno genocida no tratamento da pandemia do coronavírus, convertendo-se em cúmplice das centenas de milhares de mortes evitáveis pelo governante não haver adquirido as vacinas, quando oferecidas à nação. A procrastinação enlutou famílias, mutilou esperanças e deixou órfãos. Na maioria, moradores das periferias. O negacionismo sanitário veio junto do negacionismo cognitivo, pelos ataques às universidades no contingenciamento de verbas à ciência, à pesquisa e, ainda, do negacionismo afetivo pela falta de empatia com o sofrimento da população brasileira, que o auxílio venal e provisório pretendeu comprar.

5. O paradigma do neoliberalismo exposto em sua bíblia aos pastores que lucram com a fé, o Consenso de Washington, é a mola propulsora da precarização do trabalho, desemprego e miséria que recolocou o Brasil (mais de 4% dos habitantes sem segurança alimentar) no mapa da fome da ONU. Esse é o filho renegado pela direita.

5.1. O “teto de gastos” que congelou o desenvolvimento do país por vinte anos, aprovado no governo do vice traidor, não caiu do céu. Foi autorizado pelo Centrão. Há que – sempre – lembrar o nome dos partidos que compõem a articulação que serve de guarda-chuva aos beneficiários das emendas parlamentares sigilosas, antirrepublicanas até na designação. Se as emendas não fossem incriminadoras, seriam visíveis. É o maior assalto legalizado ao Erário, na história da República. Quem apóia o segredo na distribuição de recursos públicos, também apoiou a contra-reforma trabalhista e previdenciária que empurrou os trabalhadores para fora da economia oficial. É hora de dar nome aos bois.

As notas acima se inspiram n’O Príncipe, de Maquiavel. Aconselham quem não pediu conselhos e abrem caminhos para derrotar os “grandes”.

(*) Docente de Ciência Política na UFRGS, ex-Secretário de Estado da Cultura no Rio Grande do Sul   

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora