Opinião
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23 de maio de 2022
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18:22

Quanto custa o espetáculo? Para a Copa do Catar, a morte de 6,5 mil imigrantes trabalhadores (por Joana Berwanger)

Quanto realmente custa hoje  o espetáculo da Copa do Mundo? (Imagem: PIxabay)
Quanto realmente custa hoje o espetáculo da Copa do Mundo? (Imagem: PIxabay)

Joana Berwanger (*)

Não há ano mais esperado para o fanático de futebol do que o de Copa do Mundo. O glorioso mês de jogos diários entre seleções completamente desniveladas, refletindo quase sempre em resultados sua imagem econômica no cenário global, fazia com que o próprio Eduardo Galeano pendurasse uma placa na porta de casa com os dizeres ‘fechado por motivo de futebol’.

A alegria do povo tão conhecida pelos brasileiros, entregue não duas, mas três vezes pelos pés de Pelé, virou as festas de rua de cabeça pra baixo quando começou a chamar atenção do mercado financeiro para sua potencial lucratividade. E põe potencial nisso. Em poucos anos, os simples estádios com arquibancadas onde os próprios torcedores levavam sua almofadinha para não deixar a bunda quadrada no chão de concreto deram espaço às chamadas arenas, onde o formado espetáculo acontece.

Não à toa, o maior campeão de Copas do Mundo movimentou cerca de 30 bilhões de reais em reformas e o desenvolvimento de estruturas para sediar o maior evento futebolístico do planeta em 2014. Não somente, o glorioso e rápido mês do futebol no Brasil gerou um lucro recorde de 18 bilhões de reais para a FIFA. Mas, afinal, quanto realmente custa o espetáculo?

Sob o baile de chuteiras travado nos gramados, nove trabalhadores deram suas vidas para que as seleções pudessem dançar no Brasil. José Afonso de Oliveira Rodrigues, Raimundo Nonato Lima Costa, Fábio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos Santos, José Antônio da Silva Nascimento, Marcleudo de Melo Ferreira, Antônio José Pita Martins, Fábio Hamilton da Cruz e Muhammad Ali Maciel Afonso. Suas vidas pararam, mas o show não.

Em 2010, o Catar foi o escolhido para sediar o mês sabático dos fanáticos do futebol no ano de 2022. Em uma década, o país estabeleceu e entrou de cabeça em um programa de reformas e construções. Sete novos estádios, um novo aeroporto, novas rodovias, novos sistemas de transporte, hotéis e até uma nova cidade, que receberá a grande final da Copa.

Com uma população de cerca de 2,7 milhões de habitantes, o país se viu recebendo quase o equivalente ao seu povo em imigrantes, para que assim fosse possível levantar a infraestrutura almejada pela nação-sede. Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka são os principais países de onde vieram os operários. Assim, desde 2011, estima-se que 6,5 mil destes trabalhadores que migraram em busca de oportunidade perderam suas vidas.

Não somente, o The Guardian, veículo que divulgou os números, informa que os dados oficiais listam as causas de morte como relacionadas a ferimentos devido à queda de alturas, suicídio e causas indeterminadas por conta da decomposição. Ainda, grande parte delas é descrita em decorrência de causas naturais – quase sempre relacionadas com insuficiência cardíaca ou respiratória.

A família do indiano Madhu Bollapally, no entanto, não consegue entender como um homem saudável de 43 anos, casado e pai de um filho, pode ter sido encontrado morto ‘por causas naturais’ no chão de seu dormitório em 2019.

Afinal, qual o valor que se gasta para que jogadores de alta performance dancem pelos gramados em suas caríssimas chuteiras em um estádio onde o ingresso não pode ser comprado por aqueles que o construíram?

elitização do futebol transpassa não só pelo distanciamento e silenciamento do povo, como também sua exploração. Assim, para quem organiza a Copa do Mundo do Catar, o valor do espetáculo é claro: a morte de 6.5 mil imigrantes trabalhadores para que seu público com potencial de consumo supra a fome deste mercado.

(*) Joana Berwanger é jornalista formada pela PUCRS, fotógrafa e pós-graduada em Mídia, Política e Sociedade pela FESPSP. Trabalha como produtora de vídeo no Sul21.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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