Opinião
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22 de julho de 2021
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13:16

Correios: por que privatizar? (por Raquel Vieira Sebastiani)

A ECT, em 2020, obteve lucro líquido de 1 bilhão e 530 milhões de reais. (Correios/Divulgação)
A ECT, em 2020, obteve lucro líquido de 1 bilhão e 530 milhões de reais. (Correios/Divulgação)

Raquel Vieira Sebastiani (*)

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) foi criada em 1969. Antes disso, o serviço postal era realizado por um departamento do governo federal. A empresa é 100% estatal. Além de ser a responsável legal pelo Sistema Postal Universal do país, a empresa oferece uma série de outros serviços, sendo o mais relevante o de entrega de encomendas. Em 2019, esse segmento representou 48% das receitas de vendas da empresa.

Em fevereiro deste ano, o Presidente da República, Jair Bolsonaro, entregou pessoalmente ao Congresso Nacional proposta que abre caminho para a privatização dos Correios. O Projeto de Lei deve ir a votação em agosto. A ideia do governo é de que o capital social da empresa seja vendido na sua totalidade em um leilão. Isto é, não se trata de abertura do capital para a comercialização de ações, como ocorreu, por exemplo, com o Banco do Brasil e a Petrobras. Quem comprar a empresa disporá de toda a estrutura construída pela mesma ao longo do tempo em todo o país. Mas, por que privatizar os Correios?

Tenho feito essa pergunta a algumas pessoas. Respostas que costumo ouvir: “Porque os serviços dos Correios são ruins, se privatizar vai melhorar”, “Tudo que é público é ruim, o privado sempre é melhor”, “Porque passará a ter concorrência”. Será que é bem assim? Vejamos.

Com base em quê afirma-se que o privado é sempre melhor? O sociólogo Jessé Souza diz que no Brasil “o Estado é visto, a priori, como incompetente e inconfiável e o mercado como local da racionalidade e da virtude”. (2015, 32) Se trata, então, de um pressuposto, não de um fato comprovado.

Quando alguém enfrenta fila ou é mal atendido em algum serviço prestado por empresas estatal, a reclamação costuma associar a ineficiência de imediato ao setor público. Já quando é uma empresa privada, as reclamações recaem sobre a empresa e não sobre o fato de ser privada. E isso acontece, inclusive, em setores como o da telefonia móvel, constituído somente de empresas privadas, em que todas possuem elevado número de reclamações por parte dos consumidores.

Com relação aos Correios, vemos novamente um discurso que não necessariamente está alicerçado em fatos. Afirma-se que a qualidade dos serviços é ruim. Entretanto, uma auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União constatou que, em 2019, o índice de entregas realizadas no prazo foi de 97%.

Ainda assim, há quem afirme que se passar a ter concorrentes faria a empresa melhorar. Mas, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos detém o monopólio somente dos serviços postais universais, que incluem cartas, telegramas e pequenas encomendas. É obrigação dos Correios garantirem esse serviço em todos os municípios do país, como uma forma de integração nacional, e isso é feito. Pela Constituição Federal, é obrigação do Estado “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”.

Por que isso? Porque se deixado apenas à iniciativa privada, muitas cidades no país não necessariamente seriam atendidas ou seriam atendidas com eficiência, posto que o custo elevado faz dessa uma atividade não-lucrativa. Os Correios, atualmente, atendem todos os municípios do país realizando financiamento cruzado. Isto é, a receita obtida em outras localidades cobre também os custos dessas mais remotas.

A iniciativa privada poderia fazer o mesmo? O principal objetivo de uma empresa privada é a obtenção de lucro e sua maximização. As estatais também têm como objetivo o lucro, mas a maximização do mesmo não é sua prioridade. A prioridade é atender a população. É possível, no contrato, exigir que o serviço seja mantido naquelas localidades não lucrativas, com preço acessível e qualidade. Mas como o Estado fará para garantir a fiscalização desse serviço? Vemos, a partir de experiências como a mencionada anteriormente, da telefonia móvel, que não é algo tão fácil de ser feito. O risco ê de deixarmos desassistidos de um serviço fundamental boa parte dos municípios do país.

No segmento de encomendas, a ECT concorre com outras empresas, entre elas gigantes mundiais como a  Fedex, a UPS e a DHL. Ainda assim, em 2019, os Correios definham 44% desse mercado no país. Os Correios conseguem essa participação no mercado porque cobram mais barato e atendem muitos mais municípios do que os concorrentes.

Outra ideia muito presente, a de que as Estatais são sempre deficitárias e bancadas pelo erário, mais uma vez não se comprova. A ECT é uma estatal independente, isto é, não recebe recursos do Tesouro Nacional. Em 2020, obteve lucro líquido de 1 bilhão e 530 milhões de reais, que foi reinvestido na empresa.

Para concluir, vejamos como funcionam os serviços postais mundo afora. O exemplo que é utilizado pelos defensores da privatização é o da Alemanha, considerada bem-sucedida. Mas será essa a melhor comparação? O país tem dimensões bem menores que as do Brasil, sendo seu território equivalente ao do estado do Mato Grosso do Sul.

Vejamos, então, outros com dimensões mais próximas das nossas. Os EUA, por exemplo, que possuem um território só um pouco maior do que o do Brasil e, às vezes, são referenciados como exemplo de livre-mercado a ser seguido. Pois, ainda hoje, eles mantêm os serviços postais nas mãos do Estado, realizados por uma agência federal. No Canadá, Rússia, China e Austrália, outros países com dimensões continentais, os serviços postais são prestados por empresas estatais.

A Economia, mesmo usando de modelos matemáticos, está longe de ser uma ciência exata. Decisões econômicas que afetam o país, dificilmente geram uma situação em que todos ganham ou ninguém perde. No caso da privatização dos Correios, quem ganha e quem perde caso ela se efetive?

Referência

Souza, Jessé. A tolice da inteligência brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite. São Paulo: LeYa, 2015.

(*) Economista, Mestra em Sociologia e Profª. da Fundação Escola Técnica Liberato Salzano Vieira da Cunha

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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