Cultura
|
19 de junho de 2021
|
10:06

Sob protesto de candidatos, Sedac autoriza pagamento do Prêmio Trajetórias Culturais

Por
Luciano Velleda
lucianovelleda@sul21.com.br
Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro. Foto: Divulgação
Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro. Foto: Divulgação

O impasse envolvendo o Prêmio Trajetórias Culturais – Mestra Sirley Amaro teve mais um capítulo nessa sexta-feira (18), com a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) autorizando o pagamento do prêmio para os 1.500 artistas e grupos culturais contemplados. O prêmio de R$ 8 mil, descontados os tributos incidentes, deveria ter sido pago na última terça-feira (15), mas não foi efetivado devido a pendências com 14 candidatos que contestam a desclassificação ou a não classificação entre os premiados. 

O edital Trajetórias Culturais é fruto da aprovação no Congresso Nacional, em 2020, da Lei Aldir Blanc de Emergência Cultural, feita para ajudar o setor cultural brasileiro afetado pela pandemia do novo coronavírus. No Rio Grande do Sul, o Governo do Estado terceirizou a execução de três editais, organizados então pela Fundação Marco Polo, a Central Única das Favelas (Cufa) e o Instituto Trocando Ideia de Tecnologia Social Integrada — responsável pelo edital Trajetórias Culturais.  

Diante das reclamações dos candidatos, a Sedac havia feito diligências e questionamentos ao Instituto Trocando Ideia. As explicações da entidade, que até então não haviam sido consideradas satisfatórias pelo órgão do governo estadual, dessa vez foram acatadas. Com isso, o pagamento foi autorizado e será feito na próxima segunda-feira (21). Todavia, o caso está longe de acabar bem.

O processo do edital Trajetórias Culturais começou a ficar turbulento no dia 15 de abril, quando a Secretaria Estadual da Cultura (Seduc) suspendeu a lista preliminar dos candidatos classificados divulgada em 5 de abril. Houve o entendimento de que os artistas deveriam optar por um segmento cultural principal. 

Com a mudança, no dia 16 de maio foi publicada a nova lista de artistas classificados. Os problemas, porém, só aumentaram. Os três editais tinham regras que os interligavam. O edital executado pela Cufa, por exemplo, impedia o candidato contemplado já ter sido premiado por qualquer outro edital da Lei Aldir Blanc, o que incluía o edital feito pela Fundação Marco Polo. Por sua vez, o edital Trajetórias Culturais impedia o candidato classificado já ter sido contemplado em outro edital com o mesmo objeto.   

As listas dos premiados em cada um dos três editais eram, portanto, interdependentes. Porém, a ausência de um sistema eletrônico que pudesse cruzar os dados dos ganhadores foi determinante para causar uma série de problemas.

Natalia Pagot é uma das pessoas cuja situação indefinida levou a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) a cobrar melhores explicações do Instituto Trocando Ideia. Integrante do coletivo cultural Poetas Vivos, Natália apareceu como habilitada na lista do edital executado pela Cufa, no começo de abril, e também na primeira lista do edital Trajetórias, publicada dia 5 de abril e depois suspensa no dia 15 do mesmo mês.

Como o prêmio do edital Trajetórias Culturais era superior, ela decidiu abrir mão do edital da Cufa. O detalhe é que na sequência ela seria desabilitada da lista da Cufa por já ter sido contemplada no edital da Marco Polo, nesse como pessoa jurídica do coletivo Poetas Vivos. 

Integrante do coletivo cultural Poetas Vivos, Natália Pagot. Foto: Desirre/Arquivo pessoal

“Quando eu vi que estava na lista preliminar, enviei um ofício pra Cufa abdicando do meu prêmio. E isso sem saber que eu tinha sido vetada por conta do edital da Marco Polo. Eu não tinha essa informação. Fui lá e abdiquei”, explica.

Natália apareceu como classificada na listagem seguinte do Prêmio Trajetórias, publicada dia 16 de maio. Segundo o edital, os dias 5 e 6 de maio eram o prazo para cruzamento das listas dos vencedores dos editais. A artista, portanto, estava contemplada mesmo após vencido o prazo da checagem de dados.

A situação da poetisa se complicou quando ela foi também desabilitada do edital Trajetórias na lista final divulgada dia 2 de junho, sob a alegação de ter sido incluída no edital da Cufa. O detalhe é que a própria Cufa já havia informado à Secretaria da Cultura, no dia 6 de maio, que Natália tinha sido excluída.  

“Entendo que, a partir do momento em que abdiquei do prêmio (da Cufa) e aquela listagem não valia mais, eu não estava em nenhum dos dois”, explica. “Eu expliquei que habilitado não é contemplado e que já tinha abdicado do prêmio. Uma coisa é o edital dizer que é proibido abdicar do prêmio se você já está na lista. Agora, se você não colocou isso no edital, você dá margem”, afirma.

Quando a confusão das listas se estabeleceu, Natália foi informada de que não poderia ter aberto mão do prêmio do edital da Cufa. A artista afirma que a reunião em que essa regra foi dita não consta em ata, ofício ou erratas do edital. 

“No dia 6 de maio, a Cufa informou no sistema Pró-Cultura que fui desclassificada. Então o que a gente sente é que um está tentando repassar o erro pro outro”, critica. “Se me mostrarem a ata da reunião dizendo que não é permitido abdicar do prêmio, tá bem, pronto, eu paro. O que não pode é estipular uma regra numa reunião fechada, de um edital público, e essa regra não ser pública. E o pior, eu abdiquei de algo em que ao final, fui desclassificada. E fui desclassificada em tempo hábil. No dia 6 de maio meu nome estava no sistema Pró-Cultura como desclassificada.” 

Natália diz que há outros três casos semelhantes ao dela dentre os 14 que ainda estavam sendo discutidos. “Estou exausta, cansada, me sentindo enganada.”

O sentimento de injustiça também acomete Orlando Vitor Voal Neto. Assim como Natália, ele esteve classificado em todas as listas, quase com pontuação máxima, e ficou de fora da última, a derradeira. A justificativa foi ter sido contemplado em edital promovido pela Prefeitura de Porto Alegre, em 2020. Acontece que, apesar de selecionado, ele não recebeu o prêmio por não ter conseguido entregar alguns documentos exigidos.

Orlando Vitor Voal Neto na Secretaria Estadual da Cultura (Sedac). Foto: Arquivo pessoal

Fundador do Instituto Parrhesia Erga Omnes, associação cultural que atua junto a movimentos sociais, critica que sua desclassificação tenha ocorrido apenas na lista final divulgada dia 2 de junho, quase um mês depois do prazo estabelecido pelo próprio edital para realizar o cruzamento de dados com os vencedores de outros editais. Se tivesse sido desclassificado na lista divulgada dia 16 de maio, Vitor teria tido prazo para entrar com recurso e provar que no fim não recebeu o prêmio do edital da Prefeitura.

Ainda assim, o artista reclamou e argumentou contra a desclassificação. Segundo o Instituto Trocando Ideia, a contestação de Vitor levou a entidade a rever as informações da sua inscrição. Um terceiro avaliador foi chamado para analisar a situação e considerou que o segmento “circo”, marcado como o principal pelo candidato, não correspondia à descrição de sua trajetória no edital, que seria mais ligada ao hip hop.

A conclusão é repudiada por Vitor. Ele acredita não ser correto ser eliminado por supostamente ter recebido o prêmio do edital da Prefeitura e depois, quando constatado que não recebeu o prêmio, ser eliminado por outro motivo. Na visão do artista, a decisão fica ainda pior por ter sido tomada apenas na listagem final, quando ele já não tinha mais o prazo formal para entrar com recurso. 

Ainda assim, o artista tentou argumentar apresentando documento da associação de circo atestando seu trabalho e outros materiais comprobatórios da sua atuação na área. Pouco antes de cumprir a exigência e fazer a opção pelo segmento “circo” como o principal, Vitor estava participando do 4º Festival de Artistas de Rua, realizado em abril, em Porto Alegre e São Leopoldo.

Nada disso foi suficiente. Entre a última quinta e sexta-feira, a Secretaria Estadual da Cultura (Sedac) acatou as explicações da entidade organizadora do edital Trajetórias Culturais.

“O Instituto Trocando Ideia não cumpriu os prazos. Eles estão dizendo que eu cometi irregularidade, mas eles não cumpriram a regra do jogo que eles fizeram, não me proporcionaram direito à defesa. Eles só me desclassificaram na última lista…e agora não estou mais desclassificado porque teria recebido um prêmio, mas porque escolhi o segmento errado. Como que muda, faz o que quer, tira os dados? Isso não está certo. A minha pontuação era 62 de 65 possíveis… Eles tinham tempo hábil pra cruzar os dados”, questiona. 

Junto com outros artistas, Vitor não se dá por vencido. Nessa semana eles entraram com denúncia no Ministério Público Estadual (MPE). O edital Trajetórias Culturais deve ser pago a partir da próxima segunda-feira (21), ainda que o tortuoso caminho do prêmio possa ter novos capítulos, agora na instância judicial. 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora