Opinião
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3 de abril de 2011
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09:00

A hora e a vez do autor-editor

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Paulo Tedesco *

Quando morei nos Estados Unidos, um amigo, vendo minhas ininterruptas horas de labuta sendo dia após dia traduzidas nos diferentes carros que trocava (eram, afinal, meu principal instrumento de trabalho e se desgastavam com a quantidade de milhas percorridas em entregas de comida e visitas a clientes cada vez mais distantes) e meus negócios, que começavam a caminhar além dos empregos que detinha, comentou que não entendia o brasileiro. Na sua americana visão, era gente que desembarcava semialfabetizado (poucos falavam a língua do país e menos ainda escreviam), quase sem dinheiro, mas em curto tempo estavam vivendo com certa normalidade. Lembro que frisou: e não falo de gente que enriqueceu, dinheiro não significa trabalho, falo da maneira de fazer acontecer do povo; há muitas leis aqui na América, obstáculos são inúmeros e vocês se viram!

Assistindo a mais uma das inúmeras reportagens televisivas sobre o recente terremoto no Japão, encontro a notícia que parecia dar prosseguimento àquela conversa de anos atrás. Havia se passado pouco mais de 72 horas do terremoto e tsunami, e um grupo de pessoas numa área não atingida pelos fenômenos, unia-se para providenciar mantimentos e ajuda. A jornalista, brasileira, aproximou-se do grupo e informou, diante daquele caminhão, que todos ali eram brasileiros, sem exceção, e todos se empenhavam por recolher e entregar donativos às vítimas em outro ponto da ilha. Obviamente intrigada, a repórter perguntou ao rapaz que empunhava caixas: mas, e os japoneses, onde estão? A resposta não poderia ser mais surpreendente: eles dizem que muitos navios estão a caminho carregando o devido socorro. Era desnecessário envolvimento maior.

Hoje, apesar de vermos sinais acelerados de reconstrução no Japão — o que dá certa razão aos que não se empenharam pois tudo aconteceria dentro de um planejamento –, e face à extensão da tragédia e o baixo número de vítimas, as coisas estão funcionando. O país havia se preparado. A entrevista surpreendeu, sem dúvida. Sobre meu amigo americano, lembro que me esforcei em dizer que por sermos de um país de um longo histórico de instabilidade econômica e social, para nós se fazia necessário uma constante e uma boa dose de astúcia e habilidade. Logo, viver nos Estados Unidos, com ou sem dinheiro, legal ou ilegal, analfabeto ou não, não seria muito diferente do que sobreviver em qualquer grande cidade brasileira.

Contei toda essa história, na verdade, para chegar ao que se liga à conjuntura no mundo dos livros. É o conhecimento sobre a importância de ser autor e editor que fará a diferença num mundo caótico e em transformação. Mundo que gosta de números e pouca qualidade em conteúdo. Fosse hoje, responderia ao amigo americano que somos o que somos, mas nossa autodeterminação e descrença nas grandes estruturas (privadas ou públicas) nos fez aprender a fazer e acontecer. Do contrário, desapareceríamos nos grotões dessa nação continental.

* Editor da Oficina do Livro


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