Opinião
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2 de julho de 2012
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08:48

Homofobia: criminalizar não é combater

Por
Sul 21
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Por Guilherme Dal Sasso – Publicado no G10

Desde quando aqueles preocupados com justiça e transformação social passaram a ver no sistema penal a solução para seus problemas? Essa pergunta vem me consumindo, após me deparar com as demandas dos mais diversos setores das esquerdas. As palavras da hora – palavras de(a) Ordem – são criminalização e punição.

Não faz muito tempo vi um adesivo onde aparecia a trágica e clássica foto do Vlado enforcado, seguida da frase “lugar de assassino é na cadeia”. Recente ato no Palácio da Polícia do RS, reconhecido como local de tortura, trouxe adesivos onde se lê “exigimos punição”. Temos a já consolidada Lei Maria da Penha, a já institucionalizada criminalização do racismo e agora todo movimento LGBT – entre outras entidades ligadas à causa – engajado numa campanha pela criminalização da homofobia. A dúvida que fica é: como lutas tão diferentes encontram seu denominador comum na exigência de punição? Outra: como causas invariavelmente voltadas à superação de violências apelam ao sistema penal, dispositivo produtor de violência por excelência, para resolver seus problemas?

Não é difícil entender o raciocínio básico que produz essas demandas: a criminalização coibirá a conduta indesejada. Difícil é entender a preguiça mental ou amnésia seletiva desses setores. Quando que criminalizar determinada conduta foi efetivo para suprimir determinado comportamento desviante? Aqueles engajados na transformação social deveriam ser os primeiros a saber que o sistema penal é um instrumento de manutenção do status quo, nunca de transformação social. Afinal, onde está o caráter “corretivo” da pena?

Bruno Cava tem um ótimo texto no seu blog onde sintetiza que a pena 1) não protege a pessoa, 2) não previne a violência e 3) não ressocializa o infrator.

Assim, como criminalizar a homofobia ajudaria a combatê-la? O texto nos lembra ainda que o sistema penal é composto de três “sub-sistemas”: Judiciário, Polícia e Sistema Carcerário. Alguém acredita numa (re)educação do “homófobo” em questão a partir de alguma dessas instâncias? Ou melhor, é possível acreditar que algum desses três subsistemas possa servir para transformar a sociedade e lidar adequadamente com qualquer tipo de problema social?

Esses argumentos não deixam de trabalhar na lógica do medo. Como se alguém que espanca um homossexual estivesse muito preocupado ou temeroso da lei. Medo da punição? Cabe citar Simone de Beauvoir: o medo é a ideologia da direita. É necessária uma boa dose de ingenuidade para achar que instrumentos clássicos de opressão e repressão possam ser utilizados para “fins nobres”. Isso é subestimar a natureza do sistema, pois a pena não foi inventada para corrigir condutas. A pena é, antes de tudo, uma manifestação de poder, cuja função é reproduzir os valores dominantes, nunca transformá-los. Maria Lúcia Karam explicita a lição que esses setores da esquerda teimam em esquecer ou ignorar:

“A monopolizadora reação punitiva contra um ou outro autor de condutas socialmente negativas, gerando a satisfação e o alívio experimentados com a punição e conseqüente identificação do inimigo, do mau, do perigoso, não só desvia as atenções como afasta a busca de outras soluções mais eficazes, dispensando a investigação das razões ensejadoras daquelas situações negativas, ao provocar a superficial sensação de que, com a punição, o problema já estaria satisfatoriamente resolvido. Aí se encontra um dos principais ângulos da funcionalidade do sistema penal, que, tornando invisíveis as fontes geradoras da criminalidade de qualquer natureza, permite e incentiva a crença em desvios pessoais a serem combatidos, deixando encobertos e intocados os desvios estruturais que os alimentam”.

E aí já temos também a contradição básica daqueles que ainda possam objetar que “não é o melhor, mas já é alguma coisa!”. De fato é. Criminalizar a homofobia é individualizar um discurso produzido socialmente. É penalizar um indivíduo (jogá-lo nas engrenagens do sistema penal e não reeducá-lo) em vez de agir nas fontes do problema, nos dispositivos que não cessam de produzir esse pensamento. Mesmo que por ventura e com muito esforço sejam presos alguns homófobos (o que não muda por completo o nível de intolerância da sociedade), milhares de putas, pobres e pretos (os três P’s invariavelmente selecionados pelo sistema) vão sofrer o reflexo dessa política. Pois não há como combater a violência fortalecendo o discurso punitivo. A corda vai sempre arrebentar do lado mais fraco. Ao crer e promover a criminalização como uma solução para a violência, esses setores estão alimentando e reproduzindo o discurso de todos os dias da Mídia, da Polícia, dos promotores do Ministério Público, da ONG Brasil sem Grades. Qual seja: nossos problemas decorrem da Impunidade – essa nova Caixa de Pandora, a origem de todos os males. Logo, precisamos de mais polícia, mais penas (e mais severas!), mais prisões. Mais um artigo no código penal.

Já diria o filósofo: com essa esquerda, quem precisa de direita?

Guilherme Dal Sasso é jornalista e estudante de Ciências Sociais

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