Opinião
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5 de agosto de 2012
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14:00

Crowd funding literário

Por
Sul 21
sul21@sul21.com.br

Por Carol Bensimon

Truman Capote e Marilyn Monroe tentando dançar

E se o Escritor Brasileiro Contemporâneo tentasse um crowd funding? Para aqueles que não estão familiarizados com o conceito, eu explico. Crowd funding, como o nome sugere, é um financiamento coletivo. Pode beneficiar as vítimas de um desastre natural ou a ação de uma entidade a favor dos transportes alternativos, mas aqui vou me deter nas campanhas cujo objetivo é viabilizar um projeto artístico. Você doa uma quantia para o projeto e, de acordo com a faixa de valor, recebe uns mimos (caso o projeto venha a ser concretizado). Por exemplo: CDs autografados, fotos exclusivas, um pôster. O desenhista Rafael Coutinho está tentando arrecadar a grana necessária para a segunda temporada da série Beijo Adolescente. A banda Apanhador Só quer gravar um novo álbumcom a sua ajuda e, para tanto, oferecem encartes pintados à mão, oficinas de percussão, serenatas. Eu disse serenatas.

O que o pobre Escritor Brasileiro Contemporâneo poderia oferecer aos seus apoiadores? Algumas páginas de seu moleskine, rabiscadas com embriões de ideias que nem sempre levaram a algum lugar? Um exclusivo vídeo no qual vemos o Escritor Brasileiro Contemporâneo diante do computador durante duas horas, produzindo precisamente 632 caracteres com espaços, depois apagando 227? Quem sabe um “café com o escritor” para colaborações acima de R$100, tal como me sugeriu o colega João Paulo Cuenca no twitter? Ou a súbita aparição de sua loja ou seu produto na trama de um romance (“Isadora encontrou o que procurava na Ferragem Thony”), no caso de quantias bem gordas?

Para ser justa, é preciso dizer que a literatura já tenta, ainda que timidamente, se inserir na onda dos financiamentos coletivos. No catarse, site brasileiro de crowd funding, há uma dúzia de projetos de livros tentando captar alguns tostões. Seus autores oferecem ao colaborador: agradecimento via facebook, livro assinado, agradecimento impresso no livro, possibilidade de o colaborador ter sua história de amor contada no livro (uma ocorrência), caneca do livro (também uma), quadro pintado pelo escritor (uma), etc. No entanto, sendo a maioria dos proponentes autores de primeira viagem, digamos que os projetos ainda não tiveram muitas adesões; falta, muito provável, um público leitor já conquistado, que pudesse estar ansioso pelo próximo romance do Escritor Brasileiro Contemporâneo, se o Escritor Brasileiro Contemporâneo já soubesse tirar proveito dessa era da coletividade.

Mas o Escritor Brasileiro Contemporâneo não sabe e nem pode. Não há muitos mimos que ele possa oferecer aos financiadores virtuais. O Escritor Brasileiro é um produto com pouco potencial publicitário. Ele (salvo exceções) não é bonito, não se veste bem, parece o contrário de cool nas fotos, parece bobo ou desarticulado em vídeos. Ele não é convidado para as melhores festas, e, caso o convidem para a melhor festa, provavelmente ele não saberá o que fazer com tanta alegria e disposição ao seu redor. É verdade que o Escritor Brasileiro Contemporâneo às vezes faz coisas insanas e radicais na sua vida privada, como se fosse um roqueiro, como se fosse uma estrela de cinema, como se a jaqueta de couro lhe caísse bem e o cabelo seguisse a tendência, como se três doses de tequila o levasse a duas Marias Canetas e então todos para a cama, mas e daí, quem mesmo estaria interessado em saber?

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Carol Bensimon nasceu em Porto Alegre, em 1982. Publicou Pó de parede em 2008, e no ano seguinte, a Companhia das Letras lançou seu primeiro romance, Sinuca embaixo d’água (finalista dos prêmios Jabuti e São Paulo de Literatura). Ela contribui para o blog com uma coluna quinzenal.

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