Opinião
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18 de junho de 2014
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08:38

Zumbilândia (por Ayrton Centeno)

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Zumbilândia (por Ayrton Centeno)
Zumbilândia (por Ayrton Centeno)

Eles estão de volta. As cabeças desengonçadas, os olhos esgazeados, as mãos voltadas para dentro, os pés trôpegos de Jânio, os beiços botocados, as palavras pendendo com a baba: “Vai pra Cuba!”, “Paguei 15 mil por essa Vuitton!”, “Comprei esse Bulgari em Beverly Hills, lindo né?”, “Ai meu Deus. Nem te conto. Eu perco o juízo quando vejo uma Balenciaga…”.

Eles estão de volta. E com eles, o taque-taque compulsivo das mandíbulas: “Não dou mais essa água pro meu pet. Ele só toma Perrier”, “Você viu esse povinho nos aeroportos?”, “Nem me fala! E as roupas deles : havaianas, blusinhas fake da 25 de Março…”, “E ainda querem que eu pague previdência pras empregadas. Onde já se viu?”, “Mas o pior são os impostos”, “Pois, é. Meu marido sempre fala que, depois, se a gente sonega, acham ruim”, “É, assim não dá”.

Eles estão de volta. Deixaram as quadras de tênis, os campos de golfe, o iate em Ilhabela, as picaretagens na Bovespa, o instituto Millenium, a grana nas ilhas Cayman e se instalaram na ala VIP do Itaquerão. As palavras de novo. As que disseram: “Vai tomar no cu!”. E as que não disseram mas talvez dissessem: “Bolivariana!”, Terrorista!”, “Amante da gentalha!”

Eles estão de volta. Em 1964, ergueram-se dos sepulcros, sacudiram as teias e saíram arrastando suas figuras patéticas pelas ruas e avenidas: comedores de hóstia, moralistas de cuecas, puxadoras de terço, duces de opereta, o sinistro CCC, mal-amados e mal-amadas balbuciavam “Um, dois, três, Jango no xadrez”, “Verde e amarelo, sem foice nem martelo”. A infecção se espalhou e epidemia fez vítimas durante 21 anos.

Eles estão de volta. Os sintomas da doença são os mesmos: ódio febril, ressentimento crônico, preconceito agudo, medo mórbido, complexo de vira-lata. Procura-se o Paciente Zero. As primeiras suspeitas apontaram para um assinante da Folha de S. Paulo. Foi visto com esgares e repuxos musculares ao ler o editorial que tratava a ditadura de 1964 como “ditabranda”, expressão antes usada pelo general Pinochet. Latente, o vírus teria acordado uma semana num sonho molhado com o general Médici. Porém, a maioria dos pesquisadores coincide em indicar o Paciente Zero como um paulistano do Morumbi e leitor de Veja. Ao ver aquela capa informando que os estádios da Copa somente ficariam prontos em 2038, teve salivação intensa e violentas convulsões. Com o exemplar debaixo do braço, mordeu a mente de sua mulher, atacou os filhos e até o cachorro do vizinho. Virando e revirando o pescoço sobre seu eixo, tuitou e foi retuitado.

Eles estão de volta. São as classes ruminantes, rapaces, reverentes à alta cultura de Miami e seus penduricalhos. Não puxam mais terço. Oram nos altares dos shoppings. O balbucio retórico é outro mas o medo é o mesmo. O medo “dos de baixo” como em 1954, 1961, 1964, 1989, 2002, 2006, 2010. O medo próprio de quem não tem voto. O medo do voto.

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Ayrton Centeno é jornalista.

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