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21 de julho de 2014
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19:42

Carlinhos Brown cativa público durante palestra sobre educação musical em Conferência Internacional

Por
Sul 21
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Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Carlinhos Brown fez uma palestra permeada por intervenções musicais | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Débora Fogliatto

Na palestra de abertura da 31ª Conferência Internacional de Educação Musical, ocorrida nesta segunda-feira (21), no Salão de Atos da PUCRS,  o cantor baiano Carlinhos Brown falou, cantou e tocou sobre a sua história e o poder da música em comunidades de baixa renda. Na palestra “Da comunidade para o mundo, do mundo para a comunidade”, Brown falou de sua infância no bairro do Candeal, em Salvador, e narrou como suas origens econômicas e sociais influenciaram em sua carreira artística e em suas concepções de mundo.

“Minha educação musical começou pela fala, pela oralidade”, iniciou o cantor, contando que o bairro do Candeal surgiu na época da escravidão, quando duas rainhas africanas vieram da Costa do Marfim para o Brasil em busca de suas irmãs, que haviam sido trazidas como escravas. Apaixonando-se pelo país, elas criaram o Candeal, área livre onde não havia comércio de pessoas. O bairro se tornou um encontro de religiões, ao receber o primeiro altar de Ogum no Brasil e católicos estabeleceram o retiro São Francisco, nos anos 1940. “Meu bairro nasceu musicalmente pulsante”, contou Brown.

Segundo ele, as músicas que se ouviam no Candeal eram parte das festas herdadas da cultura africana, com homenagens a Oxum e comemorações de Cosme e Damião. Devido à mistura de religiões e etnias, fazia-se também o encontro musical: “O padre que não queria ouvir isso colocava música clássica, e as crianças não sabiam como fazer esse som, não vinha dos instrumentos que conhecíamos”, contou, então imitando um som parecido com o de um violino levando a lateral da mão à boca.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Brown contou a história de seu bairro, na Bahia, entrelaçada com sua própria | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Durante toda a palestra, Brown mostrou que sua fala não pode se dissociar da musicalidade. Logo no início, o microfone falhou duas vezes. O que poderia ter provocado desconforto em qualquer palestrante não incomodou o baiano, que prontamente improvisou uma melodia batucando no púlpito e repetindo as palavras “câmbio negro”, de onde havia parado sua fala. Suas intervenções musicais agradaram o público, de onde se ouviam exclamações em inglês, espanhol e português em vários sotaques.

O Candeal logo se tornou dividido pela desigualdade social, continuou Brown. “A classe de alto poder aquisitivo começou a se instalar ali, nas partes de cima, enquanto embaixo o inchaço populacional fez surgir uma favela”, contou. Sua história pessoal logo voltou a se intercalar com a do bairro, quando o então governador Luís Viana construiu uma escola no bairro e seu motorista, Osvaldo Alves da Silva, conhecido como Mestre Pintado do Bongô, passou a morar ali.

Nos fins de semana, o Mestre tocava em bares e Brown logo se interessou pelos instrumentos, que foi aprendendo a tocar um a um. O primeiro evento que deu visibilidade ao cantor foi um festival de música na própria escola Luís Viana, onde foi convidado a tocar percussão, e então “começou a virar músico na Bahia” quando foi convidado a participar do grupo Mar Revolto. Enquanto ele crescia, seu bairro passava por mais dificuldades: “as pessoas de maior poder aquisitivo estavam construindo suas casas e seus esgotos chegavam aos que moravam embaixo, acabando também com o manancial e trazendo doenças”.

Nos anos 1980, começou a trabalhar no estúdio WR, onde começou a “chamar atenção” após compor jingles publicitários utilizando berimbaus. Foi então que conheceu o músico Luís Caldas e compuseram a música “Visão do Ciclope”, que logo explodiu nas rádios da Bahia. “Isso fez um sucesso enorme e estava criado o axé music”, contou.

“O que a gente queria realmente era mudanças”

Pouco tempo depois, foi tocar com Caetano Veloso, com quem passou oito meses, e quando retornou viu seu bairro envolto em violência. “Tinha se instalado a gangue ‘Bebê a Bordo’ e havia tiroteios, mortes. Não era isso que se tinha planejado para o bairro nem espiritualmente e nem pela comunidade em sua concepção”, lamentou. Foi então que Brown começou a utilizar o dinheiro que havia conseguido a partir da música para comprar instrumentos e começar a ensinar os meninos do bairro a tocar.

Sua carreira continuava a prosperar. No início dos anos 1990, conheceu o músico Sérgio Mendes, com quem gravou o álbum “Brasileiro”, que ganhou um Grammy em 1993, e logo começou a explodir com músicas que se tornaram hits. “Mas o que a gente queria era realmente mudanças e não sucesso de pop star”, afirmou. Estabeleceu uma escola de música que foi crescendo, chamando psicólogos, pedagogos, sociólogos para auxiliar a lidar com as crianças da comunidade. “Não adianta apenas ser bom músico e não ter onde morar”, ponderou.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Público internacional lotou o Salão de Atos | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Foi apenas após já ter conhecimentos musicais que Brown obteve uma educação tradicional, sendo alfabetizado já quando jovem adulto. Tornou-se professor de música sem saber ler partituras, sabendo “as linguagens da África”, criou o grupo Timbalada, gravou e compôs com diversos artistas brasileiros.

O cantor contou que, mesmo com essa trajetória e após ganhar quatro Grammys e ser indicado ao Oscar, decidiu voltar a estudar música. “Expressão sem conhecimento está pela metade. E a escola de música que eu criei acabou virando minha grande professora”, afirmou Brown. Ele então saiu do púlpito e pedindo se podia “tentar” tocar piano, onde entoou a música “Verdade, uma Ilusão”, do grupo Tribalistas, que participou com Marisa Monte e Arnaldo Antunes.

“A gente pode ir longe respeitando nossas matrizes e origens, essa é a nossa formação”

No final de sua fala, Brown lamentou que mesmo com a educação musical, muitos jovens da periferia se envolviam com drogas e acabavam presos ou mortos. Ele também destacou a importância de se valorizar os direitos autorais das músicas, criticando a ideia de que elas devem ser disponibilizadas livremente, porque “a gente precisa de comida e instrumentos nas escolas”. “Os governos precisam contar com educadores, o Ministério da Cultura precisa reconhecer mestres da música. A música é uma contaminação necessária”, refletiu, pedindo para o público erguer as mãos e bater palmas: “Quanto tempo se encontra para ser infeliz quando se está tocando assim?”, questionou.

Aí jaz, de acordo com Brown, a importância da educação musical, que “traz a primeira esperança de formação” para tantos jovens. Com o violão nos braços, o cantor baiano apontou que “só cantando para ver o que tudo isso trouxe. Quando falei da África, falei das heranças que isso me deixou. A gente pode ir longe respeitando nossas matrizes e origens, essa é a nossa formação”.

Ele entoou uma música que saúda os Orixás e agradeceu aos patrocinadores do evento, no final se desculpando por “não trazer aquelas palestras com imagens. Mas prefiro me mostrar como resultado da educação, porque afinal sou aluno”, disse, mais uma vez recebendo aplausos do público.

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21
Brown falou de sua origem, formação e construção da escolas | Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Como bom professor, Brown não encerrou sua participação no evento de forma diferente do que a fez: começou a cantar Velha Infância, também dos Tribalistas, convidando os músicos no público para se unirem a ele. Logo, o palco foi tomado por pessoas de todas as idades, etnias e nacionalidades, que cantaram e tocaram violão, tambores e pandeiros. Quando encerrou sua participação, Brown foi saudado pela presidente da ISME – Sociedade Internacional de Educação Musical, Margaret S. Barrett. “Carlinhos, você nos lembrou do poder de uma história, e por isso eu o agradeço muito”, disse ela, em inglês. O cantor ficou no Salão de Atos tirando fotos e conversando com os participantes do evento.

A Conferência

A 31ª Conferência Internacional de Educação Musical, evento promovido pela Sociedade Internacional de Educação Musical, começou na noite deste domingo (20), no Salão de Atos da UFRGS, com uma apresentação ao vivo de música brasileira e teatro de bonecos composta por diversos grupos e orquestras e segue até sexta-feira (25), com programação nas duas universidades. É a primeira vez que a conferência, que existe há 60 anos, acontece na América Latina, recebendo workshops, palestras, simpósios e performances de diversos países.

Dentre as apresentações musicais, estão, além de grupos brasileiros, vindos dos Estados Unidos, Chile, Austrália, África do Sul, México, Argentina e Irlanda. No encerramento, acontece um show de música escocesa, país que irá sediar a próxima edição do evento. No Centro de Eventos da PUC-RS, no prédio 41, há também uma feira com venda de produtos musicais e artesanato local.

Outros destaques da programação são as palestras “Ser músico, ser nós mesmos – diversidade, autenticidade e espírito selvagem”, da música britânica Katherine Zeserson; “Saúde dos músicos e bem-estar”, do músico e médico alemão Eckart Altenmüller. A programação científica se encerra com a mesa-redonda que discutirá “Políticas públicas brasileiras em educação musical”, comandada pela coordenadora geral da ISME 2014, Liane Hentschke, e formada por Maria Rebeca Otero Gomes, Malvina Tuttmann, Carla Dozzi e Magali Kleber Venue.


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