Opinião
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25 de julho de 2014
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07:32

A Palestina não chora (por Fernando Horta)

Por
Sul 21
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A Palestina não chora (por Fernando Horta)
A Palestina não chora (por Fernando Horta)

A perversidade, a desigualdade de condições e a condescendência internacional são marcas do conflito Israel-Palestina. Chamar de “conflito” já é, em si, uma perversidade. Por todos os conceitos de direito internacional o que ocorre na região é “massacre” e “crime de guerra”. Muito diferente do “direito de auto-defesa” que os presidentes americanos ao receberem no Salão Oval da Casa Branca a poderosa AIPAC (American Israel Public Affairs Comittee) se apressam a expressar em alto e bom som. Por toda a história do conflito, que se inicia com os grupos terroristas judeus do Irgun e do Hagannah em 1948, até a retirada de cena de líderes, de ambos os lados, que, cansados de guerra, começaram a mudar o cenário como Sharon e Arafat, uma enojante lógica pode ser percebida.

Yasser Arafat foi fundador dos primeiros movimentos armados de resistência na Palestina, já em 1959, “al Fatah” que é o acrônimo reverso de “Movimento de Libertação Nacional da Palestina”. A palavra “fatah” em árabe significa “conquista” ou “começo” enquanto que seu reverso “hataf” significa morte. Uma dualidade bastante apropriada para um movimento que, embora muito menos radical que o atual Hamas, é laico e tinha um interlocutor politicamente válido, o próprio Arafat. Depois de décadas militando no braço terrorista, Arafat consolida a OLP (Organização pela Libertação da Palestina) e se decide pela força da diplomacia. Sua luta passa a ser em outro campo. Hoje o líder do Fatah é o cada vez mais enfraquecido pelas ações de Israel, Mahmmoud Abbas

Ariel Sharon, por sua vez, foi primeiro ministro de Israel de 2001-2006 e fundador do também menos radical partido Kadima (uma dissidência maior partido israelense o Likud). Semelhante à trajetória de Arafat, Sharon foi general israelense e é acusado por inúmeros crimes de guerra (como os massacres aos campos de refugiados de palestinos no Líbano Sabra e Chatila em 1983), mas termina sua vida política com efetivas medidas de desocupação de áreas palestinas controladas por Israel retirando – muitas vezes à força – soldados e colonos Israelenses de seus assentamentos “ilegais”. No final de 2005, convencido que a única forma de solução para o conflito era a paz, Sharon faz valer os acordos diplomáticos com o intuito de reduzir as tensões.

Se Arafaf e Sharon, no sentido de suas lutas políticas têm trajetórias semelhantes, seu fim também o é. Arafat foi confinado em 2001 a uma “prisão domiciliar” pelo exército israelense. Na sede do que deveria ser o governo da Palestina, Ramalah, Arafat passou sem poder sair do prédio (e por bom tempo também nada podia entrar) quase três anos sendo que veio a falecer em 2004 e ainda hoje avolumam-se as acusação de que Israel o teria envenenado através do suprimento de água de Ramalah, matando o velho líder palestino. Já Sharon também sofreu um derrame e ficou em estado vegetativo desde 2006 até sua morte em 2014. Odiado pelos colonos judeus expulsos, as circunstâncias sobre seus “derrames” também alimentam inúmeras teorias sobre como os grupos mais radicais de Israel teriam “se livrado” do incômodo general e primeiro ministro que tinha se tornado um diplomata com inclinação à solução pacífica do conflito. Esses dois líderes, Arafat e Sharon, seguem o mesmo destino de Yitzhaz Rabin, assassinado em 1995 pela direita radical israelense pela assinatura dos Acordos de Oslo que são interpretados por historiadores a diplomatas como o ponto mais próximo da solução pacífica do conflito que se pode chegar.

As trajetórias semelhantes com líderes que saem do campo de guerra para batalhar no campo das ideias, da diplomacia e da história têm também congruências quando se percebe que os processos de paz caminhavam e foram abruptamente interrompidos por mortes tão suspeitas quanto violentas. Depois de se analisar esse conflito, que dura desde a criação do Israel em 1948 até hoje, percebe-se que, efetivamente, não há vontade de se atingir a paz. Esse é o verdadeiro ponto, nenhum dos grupos envolvidos tem real interesse em alcançar a paz.

O governo sionista israelense, apesar da oposição de judeus ortodoxos em Israel e pelo mundo e apesar, também, da oposição política interna dos trabalhistas, ecologistas e grupos pacifistas em Israel não tem interesse na paz. O motivo é simples: Israel precisa se manter criando ódio nos palestinos para continuar sua expansão territorial que vem desde a fundação. Sem a desculpa de “defender assentamentos” ou “proteção da população civil” não haveria motivo para convencer o eleitorado interno israelense sobre o contínuo uso da força militar contra os palestinos. Diga-se de passagem, o eleitorado interno é a única – repita-se única – real agenda política que os líderes israelenses ouvem. Israel tem sido excelente em cultivar tâmaras e terroristas no deserto. Os pais com filhos mortos pelos bombardeios israelenses e os filhos com pais e mães mortas nas incursões terrestres são a garantia de combustível nos tanques israelenses para ganharem mais algumas centenas de quilômetros de “assentamentos” dentro de território palestino.

No lado palestino, também não há interesse na paz pelos grupos extremistas que se alimentam do mesmo ódio criado pelas bombas para terem força política na região. Não há racionalidade na hora de carregar um filho desmembrado por uma bomba e essa é a tônica do processo de formação identitária na região. O palestino de hoje é aquele que odeia Israel, tem seus motivos para isso, e é usado politicamente para manutenção do mesmo sistema de ódio e violência. Uma espécie de stasis histórico-política, um perverso equilíbrio que não tem nenhuma possibilidade de ser quebrado por qualquer dos agentes localmente envolvidos. Exatamente os grupos que se avocam o “real entendimento” da situação do conflito são aqueles que não têm qualquer capacidade para resolver. A população civil é presa numa teia de ódio, que alimenta uma política de lágrimas e sangue e se revela a verdadeira força política dos líderes palestinos.

Longe desse cenário, quem poderia resolver a questão historicamente não o faz. Mantendo a ONU amarrada, os EUA nada fazem para resolver a situação exatamente porque dela retiram valiosos frutos. De todos os vetos americanos às resoluções do Conselho de Segurança, mais da metade são defendendo Israel. Ao mesmo tempo, o estado sionista é grande comprador de armas norte americanas. Pouco importa aos fabricantes americanos que Israel as compre com dinheiro dos próprios contribuintes através da “ajuda” anual de cerca de 154 bilhões de dólares por ano que o governo americano destina à proteção do “Estado-irmão” israelense. O que interessa é manter os lucros altos, especialmente com o final da Guerra Fria. A comunidade judaica nos EUA afastada geograficamente da guerra também contribui – e muito – para a manutenção do conflito mantendo assim sua importância política. Normalmente vistos como “cidadãos honorários” israelenses e recebendo prêmios pela “ajuda e luta por Israel” esses líderes judeus americanos jogam sempre e mais gasolina no conflito. A paz na região os reduziria a uma página na história ao passo que a guerra lhes rende prestígio, prêmios, dinheiro e reconhecimento imediato.

Assim, para que a guerra nunca termine e mantenha uma das regiões de maior produção de petróleo no mundo sem condições de organização colaborativa interna é essencial que o conflito seja eterno. Para manter os lucros das empresas de armamentos americanos, as propinas para lobistas judeus e o reconhecimento “benemérito” dos cidadãos judeus-americanos que lutam pela proteção de Israel na América é essencial que os terroristas palestinos continuem lançando seus foguetes e se explodindo dentro das fronteiras israelenses. E para que os terroristas continuem mantendo sua força política na região é necessário que o ódio e a dor sejam tão grandes na população civil palestina que eles realmente decidam perder a vida com uma bomba presa ao corpo. Manter, portanto, sua qualidade de vida mísera com a inexistência de educação, de comida, de água, de abrigo e mesmo de reconhecimento político é imprescindível para a dominação da região.

Os verdadeiros responsáveis pelas bombas que destroçam crianças na palestina são os capitalistas vendedores de armas americanos, os “beneméritos” cidadãos judeus-americanos que agem impedindo atitudes de repudio a Israel por parte dos EUA, os políticos Israelenses de direita e extrema direita (que vêem suas votações crescerem com o sangue em Gaza) e os líderes terroristas palestinos que só são “líderes” por sustentarem um massacre sobre sua população. Nenhum desses grupos, entretanto, sofre com o ataque das bombas ou com as perdas de entes queridos. Nenhum deles sente cheiro de sangue, de carne queimada ou houve os gritos de vítimas e médicos nos improvisados centros de atendimento às vítimas em gaza. Por isso eles não choram.

O conflito só acabará se os EUA ficarem sem dinheiro, se os políticos israelenses ficarem sem votos ou os terroristas palestinos ficarem sem apoio popular. Como o sistema é feito para que cada um desses entes alimente o que o outro precisa para continuar crescendo, temos uma barbárie que nunca acaba. Nesse sentido, entretanto, Israel está cometendo um erro. A sanha por votos dos políticos israelenses está superando o déficit das contas internas dos EUA e a taxa de natalidade dos palestinos. A brutal conclusão é que o conflito pode chegar ao fim pela extinção do povo palestino.

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Fernando Horta é historiador, professor, doutorando em Relações Internacionais UNB.

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